As árvores de Nova Iguaçu contam uma história. Servem de abrigo, de refúgio, de ponto de encontros, de referência, de estacionamento, de ritual religioso e de proteção contra o sol da Baixada Fluminense, que ferve a mais de 40 graus. Nós trabalhamos no “centrão” da cidade. Não se nota nenhuma árvore, que possa nos dar refrigério nas tardes tórridas de um inverno atípico.
A maioria dessas histórias cruas passa a 24 quadros por segundo, à maneira de um filme de ação. Outras têm um ritmo lento, à maneira de um filme de Resnais. Há ainda aquelas cujo tom se aproxima do realismo fantástico de um Adolfo Bioy Casares ou Gabriel García Márquez.
Em Jardim Pernambuco, Vila de Cava, Luis de Lemos e Rodilândia, os oficineiros conseguem despertar nos ouvintes atentos, sempre de olhos bem abertos, sorrisos de boca a boca, a lembrança de suas árvores. A timidez aos poucos vai sendo deixada para trás graças à habilidade dos oficineiros na condução do processo.
O jogo da bola faz parte da dinâmica de grupo. Originalmente um método usado em psicologia clínica, a bola passa de mão em mão com os jovens distribuídos em roda na sala da Escola Municipal Odir Araújo enquanto dizem palavras em torno de árvore. A bola é sempre jogada na altura do peito, com os pés alinhados na altura dos quadris. Esse método, cujo nome é rizoma, tem como objetivo trazer à luz, da mesma maneira que uma fotografia, a história ainda não contada de milhares de ruas em Nova Iguaçu.
Queria participar
Flávio de Araújo Fonseca tem 32 anos, mas parece bem menos. É funcionário público, mas atualmente se dedica ao difícil parto de fazer aflorar as histórias do bairro Luis de Lemos. “Me sinto realizado, acredito no projeto, vendo aqueles meninos se interessando pela sua rua. Sinto despertar neles o orgulho de pertencer à cidade e isso me dá muito prazer”, diz Flávio enquanto esperamos o início do primeiro grupo da sexta-feira.
A dinâmica começa às 18h, após um preparativo de meia hora para descontrair. Companheirismo, pertencimento, solidariedade são palavras-chave nesse processo lento mas sólido de construção de cidadania. Flávio conduz o grupo heterogêneo com habilidade. Franzino, de aparência tímida, ele se mistura como um igual na roda formada por 28 jovens. Quatro meninas chegaram com o jogo iniciado. Ficam fora da pequena sala de aula, mostrando interesse na porta de entrada. Juliana da Silva lamenta ter chegado atrasada. “Queria tanto participar”, diz com um leve sorriso.
A dinâmica começa às 18h, após um preparativo de meia hora para descontrair. Companheirismo, pertencimento, solidariedade são palavras-chave nesse processo lento mas sólido de construção de cidadania. Flávio conduz o grupo heterogêneo com habilidade. Franzino, de aparência tímida, ele se mistura como um igual na roda formada por 28 jovens. Quatro meninas chegaram com o jogo iniciado. Ficam fora da pequena sala de aula, mostrando interesse na porta de entrada. Juliana da Silva lamenta ter chegado atrasada. “Queria tanto participar”, diz com um leve sorriso.
Flávio se desdobra sob os olhares atentos de seu assistente Renato, que não perde um único lance. Para estimular os jovens, faz simulações com o corpo. À maneira de um balé moderno, assume a posição de uma árvore. Os jovens deliram. Começa o jogo de palavras, para despertar a associação de idéias. A palavra chave é árvore. Associações se formam: raiz, folha, frutos, semente, sombra... Algumas delas não são muito usuais, como vagabundo, aborto, fotossíntese. A timidez dos jovens vai aos poucos sendo deixada de lado, o grupo vai ficando coeso, quase uma unidade.
Jorge Peixoto, que estuda psicologia na UFRJ, é o oficineiro da turma da Rodilândia. Sente muito prazer em repartir suas emoções com os meninos. Para ele, o século XXI é o século do domínio do simbólico. “Vivemos no mundo da internet, mundo de simulações, do Orkut, do afastamento entre as pessoas, da dificuldade do contato face a face. Temos de superar essas dificuldades, e a dinâmica de grupo é um caminho”, diz ele. Ele consegue despertar a memória do grupo. Aos poucos, histórias vão sendo contadas.
Louco da Rodilândia
Na quinta-feira, Eliane mostra o lado prático de sua mãe. “Para mamãe, nada deve ser jogado fora. Ela aproveita tudo que pode. A minha casa parece um verdadeiro jardim. É planta pra todo lado. A mãe faz de árvores velhas “xaxins” para flores. Eu nunca tinha pensado nisso”, diz Eliane.
Na sexta, Roberta e Viviane contam a história do time de futebol feminino formado na sua rua, na Rodilândia. “No primeiro jogo perdemos de goleada, foi 14 x 0, todo o mundo chorou. Aos poucos resolvemos dar a volta por cima , treinando muito nas horas vagas. Atualmente já disputamos campeonatos regionais , e se não temos nenhuma Marta, também nunca mais perdemos de goleada.Um dia chegaremos lá.” O time das meninas é um exemplo de perseverança.
Jéssica Ventura da Silva tem 18 anos, mora na rua Santa Bárbara e gosta muito de contar suas histórias. Vive ainda obcecada pelos ETs que afirma ter visto muitas vezes saindo do armário de seu quarto de dormir. “Eles apareciam toda noite, eu já não ficava mais assustada, já estava acostumada. Eles me faziam estranhos sinais, não falavam nada, mas não esqueço aquele olhar. Tinha algo de maligno, eu não conseguia dormir.” Realismo fantástico à maneira de Julio Cortázar. Afinal, o que é real?
Mas Jéssica não conta somente histórias fantásticas. Dona de uma imaginação prodigiosa, ela conta uma outra história, infelizmente de uma dura realidade. A história de Jéssica: “Após uma noitada regada a muita bebida e muita droga na Rio Sampa, vários homens resolveram currar meninas indefesas. Já alta madrugada aparece a vítima. Berenice, jovem, bonita e cheia de sonhos, teve sua hora fatal. Para encurtar caminho, ela resolve passar por uma trilha próxima a um matagal, onde o grupo estava de tocaia atrás de uma árvore frondosa. Para não serem reconhecidos, eles colocaram um plástico na cabeça da menina e fizeram todas as atrocidades com ela. Mas o destino iria pregar uma peça. O último a se “servir” da jovem resolve tirar o plástico para ver seu rosto. Ela estava nos momentos finais, e dá o último sopro em seus braços. Ele não acredita no que vê. A jovem morta era sua irmã. Ele se desespera, mas já era tarde. Dizem que ele fica vagando pelas redondezas completamente enlouquecido. É o louco da Rodilândia.”
Câmera de segurança
Em Jardim Pernambuco o oficineiro Silvano Rodrigues, 34 anos, ressaltou o caso da vizinha fofoqueira, que funciona como uma “câmera de segurança” da rua. A velha é o olho que tudo vê. Ouvido sempre atento, ela anota mentalmente todos os detalhes principalmente das meninas namoradeiras. Presta atenção nos horários de entrada e saída, na roupa, e até no corte de cabelo e na maquiagem das mulheres, principalmente nas casadas. Quem sai de shortinho, a vigilância é redobrada. Ai daquela que cometer um deslize, todo o mundo vai ficar sabendo. Ela não deixa nada escapar à sua eterna vigilância.
* Embora esta seja uma história de conhecimento público, criamos um pseudônimo para evitar constrangimentos.
Na quinta-feira, Eliane mostra o lado prático de sua mãe. “Para mamãe, nada deve ser jogado fora. Ela aproveita tudo que pode. A minha casa parece um verdadeiro jardim. É planta pra todo lado. A mãe faz de árvores velhas “xaxins” para flores. Eu nunca tinha pensado nisso”, diz Eliane.
Na sexta, Roberta e Viviane contam a história do time de futebol feminino formado na sua rua, na Rodilândia. “No primeiro jogo perdemos de goleada, foi 14 x 0, todo o mundo chorou. Aos poucos resolvemos dar a volta por cima , treinando muito nas horas vagas. Atualmente já disputamos campeonatos regionais , e se não temos nenhuma Marta, também nunca mais perdemos de goleada.Um dia chegaremos lá.” O time das meninas é um exemplo de perseverança.
Jéssica Ventura da Silva tem 18 anos, mora na rua Santa Bárbara e gosta muito de contar suas histórias. Vive ainda obcecada pelos ETs que afirma ter visto muitas vezes saindo do armário de seu quarto de dormir. “Eles apareciam toda noite, eu já não ficava mais assustada, já estava acostumada. Eles me faziam estranhos sinais, não falavam nada, mas não esqueço aquele olhar. Tinha algo de maligno, eu não conseguia dormir.” Realismo fantástico à maneira de Julio Cortázar. Afinal, o que é real?
Mas Jéssica não conta somente histórias fantásticas. Dona de uma imaginação prodigiosa, ela conta uma outra história, infelizmente de uma dura realidade. A história de Jéssica: “Após uma noitada regada a muita bebida e muita droga na Rio Sampa, vários homens resolveram currar meninas indefesas. Já alta madrugada aparece a vítima. Berenice, jovem, bonita e cheia de sonhos, teve sua hora fatal. Para encurtar caminho, ela resolve passar por uma trilha próxima a um matagal, onde o grupo estava de tocaia atrás de uma árvore frondosa. Para não serem reconhecidos, eles colocaram um plástico na cabeça da menina e fizeram todas as atrocidades com ela. Mas o destino iria pregar uma peça. O último a se “servir” da jovem resolve tirar o plástico para ver seu rosto. Ela estava nos momentos finais, e dá o último sopro em seus braços. Ele não acredita no que vê. A jovem morta era sua irmã. Ele se desespera, mas já era tarde. Dizem que ele fica vagando pelas redondezas completamente enlouquecido. É o louco da Rodilândia.”
Câmera de segurança
Em Jardim Pernambuco o oficineiro Silvano Rodrigues, 34 anos, ressaltou o caso da vizinha fofoqueira, que funciona como uma “câmera de segurança” da rua. A velha é o olho que tudo vê. Ouvido sempre atento, ela anota mentalmente todos os detalhes principalmente das meninas namoradeiras. Presta atenção nos horários de entrada e saída, na roupa, e até no corte de cabelo e na maquiagem das mulheres, principalmente nas casadas. Quem sai de shortinho, a vigilância é redobrada. Ai daquela que cometer um deslize, todo o mundo vai ficar sabendo. Ela não deixa nada escapar à sua eterna vigilância.
* Embora esta seja uma história de conhecimento público, criamos um pseudônimo para evitar constrangimentos.
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