segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Desfile das campeãs

Final apotéotico da gincana social "Minha rua tem história" reinventa projetos sociais voltados para
a juventude

Por Alcyr Cavalcanti

O final foi uma grande apoteose, à maneira do desfile das campeãs do carnaval carioca. Foi uma festa onde todos ganharam, ninguém perdeu. Muito mais do que os brindes fartamente distribuídos, a demonstração de solidariedade foi o forte.



Tudo começou às 15h em um domingo de chuva diluviana, que no entanto não assustou os jovens da gincana social "Minha rua tem história" e seus familiares, que não arredaram pé até o apito final. O mestre de cerimônias Marcus Vinicius Faustini era o mais animado. Chegou pontualmente às 15h, disposto a fazer o jogo da vida.

Aos poucos os jovens foram chegando, dos inúmeros bairros de Nova Iguaçu e de sua vizinhança. Luiza Maria veio de Miguel Couto, trouxe o filho de apenas dez meses. “Enfrentei a chuva, o frio e o engarrafamento que quase me fez desistir, mas tinha de vir, todo o mundo lá da rua me disse que ia ser uma baita festa.” O pequeno Lucas, olhos arregalados, assistia espantado à movimentação frenética à sua volta.

A animação aos poucos vai se espalhando pelo ambiente. Um clima de eletricidade se irradiava por toda a Vila Olímpica. A aparelhagem de som de muitos decibéis era testada, a festa está começando. A turma do bairro da Prata é a primeira a chegar. Prepara suas faixas, suas alegorias, seus adereços, a sua apresentação para o ápice de seu “um minuto de fama”. Os balões verde, preto e roxo dão o tom de alegria e muita energia que irão demonstrar durante todo o desfile. Edson Nunes de Oliveira, 25 anos, comanda a animação Para ele, foi um esforço coletivo as cores e os adereços, à maneira de um desfile na Praça da Apoteose em um domingo de carnaval, servem como motivação. Simbolizam o projeto, “pura energia” para ele.

Um show à parte
Edson comanda o grupo incansavelmente. Retoca maquiagens, ajeita os adereços, verifica se a faixa com os dizeres "União Jovem da Prata, Arerê a Prata Veio Para Vencer" está na posição correta. Ele é o centro das atenções, transmitindo energia a todo o grupo. Quando convidado pelo Secretário de Cultura para fazer uma performance em cima de um tablado, não se fez de rogado e improvisou ao som de um eletrofunk uma coreografia ao estilo de Deborah Colker, adaptada ao seu estilo. Foi um show à parte, quase um Michael Jackson, a platéia delirou.

Flávio de Araúdo Ferreira, o oficineiro do Luis de Lemos, é pura energia, corre de lá para cá preparando seu grupo. O “homem árvore” parece um garoto no meio de seu grupo. É adorado por todos, que vêem nele um igual. “Os nossos adereços, a nossa apresentação, foi resultado de uma idéia em conjunto, elaborada por todos”, diz Flavio, abraçando carinhosamente Jessica, uma linda jovem de vinte anos.

Jessica Luiza Azevedo Guedes se dedicou de corpo e alma ao projeto. "A borboleta como adereço em nossas cabeças foi idéia nossa", diz ela. "Sabemos que a borboleta é o símbolo da sorte, além de ser um animal tipicamente feminino, está sempre esvoaçando." De fato, no mundo dos jogos, a borboleta flutua de flor em flor, pertencendo ao Grupo IV, dezenas 13, 14, 15 e 16, para os apostadores um bicho de "bom agouro".

A casa vai ficando cheia, os grupos estão nos últimos preparativos, retoques de última hora. Alguns atrasadinhos chegam esbaforidos reclamando da chuva e do trânsito caótico. As caixas de som estão a todo o volume, botando todo o mundo pra dançar. “O funk é dez, é cem, é mil , aonde o funk chega não tem mais pra ninguém” , é o ritmo do Brasil. A ginásio vem abaixo quando o DJ atende ao pedido da galera e coloca nas carrapetas "Minha Princesa", de Bob Run e Marcinho - todo o mundo dança, Nova Iguaçu no ritmo da galera. Para variar, o MC coloca o "Rap do Salgueiro", antigo sucesso de Claudinho e Bochecha, "Olê ,Olá a força vai chegar", um clássico das noites cariocas.

A fria e chuvosa tarde-noite continua do lado de fora. Dentro do ginásio, prossegue a todo vapor , os grupos competem na apresentação de apenas um minuto. Todos têm seu minuto de fama, apresentando em uma síntese ao estilo internet de extrema rapidez, um longo preparativo feito de requinte e muito carinho. Jovens refazem a maquiagem, Regiane Almeida Santos, uma moradora da Cobrex de 24 anos, chama atenção pela beleza estonteante. Faz questão de retocar a leve maquiagem e pergunta: "Vou ficar bonita na foto?" e faz pose ao lado do banner da prefeitura. Faustini está atento a todos os detalhes.

Gabriela da Aparecida da Silva, uma moradora de 18 anos do Cacuia, era sorriso de orelha a orelha. Ganhou uma câmera fotográfica, e vai mostrar tudo que tem de bom em seu bairro. Para ela, a câmera é de todo o grupo e vai servir não só para registrar sua comunidade, mas "para ajudar a modificar nosso bairro". A fotografia não modifica as situações sociais, mas ajuda a compreender e modificar. Para ela, “Cacuia é chapa quente”.

Camila Machado tem 18 anos. Estudante, mora em Prados Verdes, retoca a sua maquiagem cuidadosamente, em um rosto levemente molhado de chuva e suor. "Preparei com carinho esses enfeites. Pra mim, é um dia especial", diz com um sorriso de plena alegria. Para ela, o projeto fez de 2008 um ano muito especial.

O Funk é dez , o funk é mil
De vez em quando, é feita uma pausa, para entregar os tão cobiçados brindes, goles de água para refazer as energias e para organizar a “roda” para estreitar ainda mais os laços de companheirismo, compadrio e solidariedade, nesses difíceis e sombrios tempos pós-modernos, em uma Nova Iguaçu que desafia os novos e envelhecidos tempos, impulsionando em um grande salto feito de coragem e otimismo uma multidão de jovens, dando uma lição de trabalho e esperança. A energia está no ar.

Faustini tenta organizar a ordem no caos, os grupos vão se sucedendo cada um mais animado do que o outro, em uma disputa onde não houve vencedores, nem vencidos, onde todos ganharam . Além e acima dos prêmios, claro todos cobiçados, ficou marcado em definitivo o estreitamento de laços de solidariedade em uma noite inesquecível no final de um projeto de construção, em uma cidade em construção permanente, de maneira irreversível.

Ritmos diversos, música do povo, a bateria do Jardim Tropical é de fazer inveja à bateria do mestre André da Mocidade, a energia é de carnaval. Passos de capoeira, passos de samba, passos de pagode, passos de eletrofunk . Alguns se esmeram na exibição da dança da rua, a nossa street dance, todos participam.

No final, ficam os versos do poeta do povo: “Aos amigos que ficaram pelo caminho, às princesas que cantei com muito carinho. Estamos na luta, com fé em Deus e em nós, em um mundo com mais paz e liberdade”. A vida pode mudar.

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