Mais uma vez, o jornalista Alcyr Cavalcanti mostra o peso
de um dos pioneiros do jornalismo investigativo carioca
A segunda semana prossegue a todo vapor nos dezessete bairros do Pro Jovem. No Jardim Pernambuco, o oficineiro Silvano Rodrigues, profissão fisioterapeuta, distribui tarefas, transmitindo dinamismo. Trinta e três jovens sequiosos por saber escutam com atenção, esperando a vez de expor suas histórias. O tema é construção.
Os jovens trazem pregos, cimento, martelos, lembranças das construções que marcaram suas memórias. Silvano pede para todo o mundo se preparar. “Quero todo o mundo bonito na foto, vai sair no blog, quero ver todo o mundo assistindo”, diz enquanto Mazé Mixo, o fotógrafo oficial do projeto, procura o melhor ângulo.
A atividade vai começar. Histórias contadas que irão provocar sentimentos diversos: desentendimento, ódio, dificuldades, raiva, tristeza, sacrifício, doação, esforço, fé, consideração e sobretudo coragem e esperança. Silvano faz a leitura de todas as histórias despertando o interesse do grupo.
O mestre de obras era um ”lambão”
Gabriela conta que a construção da casa acompanha a construção de sua família. Ela esperava um filho. A casa era a realização de um sonho, deveria estar pronta para receber sua nova moradora, Ana Luiza.
O sonho acabou virando pesadelo, o mestre de obras era um “lambão”, de mestre não tinha nada, era um sem vergonha. Para piorar era tio de seu marido, que aproveitou o grau de parentesco para deitar e rolar. "Fez um tremendo estrago na casa", diz Gabriela, que tinha arrepios quando ele chegava na casa. Mas o pior era quando ele saía, deixando atrás de si um rastro de sujeira e bagunça. "Era uma lambança."
O mestre só aparecia na hora do almoço, quando ele se sentava à mesa com a disposição que não mostrava na hora do trabalho. "Ele estava sempre dizendo que estava com fome", disse Gabriela, que desde então jamais misturou trabalho com família.
Foi preciso que contratassem um operário desconhecido, que, se não era um mestre, pelo menos fez o serviço direitinho. Agora depois de quase dois anos, Ana Luiza tem seu quartinho, todo rosa, todo limpinho, lindo como ela. "Minha casa está agora do jeito que eu quero. Meus sentimentos passaram da tristeza, para uma raiva profunda, mas hoje estou realizada, valeu o esforço e a fé."
Outras histórias são contadas, despertando sentimentos dos mais variados. Em um canto da sala, uma jovem não presta atenção à narrativa. Em um caderno escreve sem parar, seu nome Mairiane de Brito Quirino,vinte e um anos, só agora revela suas memórias sobre uma casa mal -assombrada.
Para Silvano, esses sentimentos variados passando pela escala da desesperança à esperança, é que vão movendo nossa sociedade. Para ele, o grupo como um todo está adquirindo consciência social, e procurando mudanças para melhor.
Pedaços de fio contam a história
Em Jardim Palmares, pedaços de fios ajudam a lembrar a história de um pedreiro muito distraído. O pedreiro deu seu serviço como concluído, estava tudo pronto para o eletricista. Mas esqueceu um pequeno detalhe. A parede estava lisinha, tudo certinho, mas faltavam os tubos por onde a fiação iria passar. "Foi um inferno, tivemos de quebrar tudo de novo", contou Maicon Rodrigues, de 18 anos. "Pior foi na hora de tomar banho. Fui todo contente tomar meu desejado banho, bem quentinho. Depois de todo ensaboado, liguei o chuveiro, e tomei um choque danado. Fui assim mesmo pelado, até a chave de força e desliguei a luz geral. O remédio foi tomar um banho gelado, nada de banho quentinho. Tremia todo, de frio e de raiva. O sentimento que ficou foi de muita burrice, e um pouquinho de raiva."
Bruno Gomes, 19 anos, solteiro, estudante, freqüenta a Igreja Deus é Amor. Fica na internet até de madrugada no Orkut e no MSN , sites de relacionamento em tempos de incomunicabilidade. Gosta de rock e cita Linking Park, Pearl Jam, Nirvana como suas bandas preferidas.
Bruno conta sua história: Mulher nua em minha casa
"Meu pai resolveu ampliar nossa casa, construindo uma pequena casa nos fundos do terreno. De manhã, tive uma surpresa quando acordei, um misto de curiosidade e medo. Uma mulher totalmente pelada, nua da cabeça aos pés dormia a sono solto, chegava até a roncar. Parecia dormir o 'sono dos justos'. Fui até o quarto de meus pais e acordei minha mãe. Meu pai com o barulho também saiu da cama."
Quando chegaram ao inacabado quarto dos fundos, as reações foram as mais variadas, passando da surpresa à desconfiança, até a um riso convulsivo. O pai olhava para a mãe sem saber o que dizer. Ela ria sem parar. Foi uma reação instintiva. "Meu pai saiu sem dizer nada, e de repente voltou com um balde na mão. Tinha enchido de água, e despejou tudo na cabeça da mulher. Ela levantou assustada e em vez de falar alguma coisa voltou a deitar. Foi necessário mais um balde, a “ducha de água fria” que faz retornar o juízo (de alguns)."
A essa altura vizinhos vinham chegando, a noticia se espalhara rápido. Com o tempo, toda a vizinhança se aglomerava para ver a mulher pelada e toda encharcada. E a mãe de Bruno não parava de rir. “Eu tinha doze anos e sempre me lembro desse episódio como se fosse hoje.”
......
A oficineira Ana Carolina Silva , carioca, 25 anos, assistente social, participa ativamente. Para ela, é um exercício para sua nova profissão. Estamos em uma sexta-feira à noite em Jardim Palmares. A dinâmica feita com o grupo é um preparativo para a socialização de cidadãos. Para ela, é um tempo de festa. A esperança se afirma. Novos tempos estão chegando em Nova Iguaçu.
A casa caiu na Rodilândia
Obras que não deram certo, obras que foram concluídas depois de muito suor. Períodos turbulentos, superados com muito esforço. Na entrada da oficina, um lembrete: ”Nossas mãos construirão um Brasil melhor”. Jovens trabalhadores chegam cansados de uma longa jornada, mas com muita vontade de aprender. Algumas histórias têm um final surpreendente.
Márcia adorava ver um menino tomar banho, ao natural, como Adão vivia no paraíso. Quem sabe ela seria a sua Eva? Fazia os maiores esforços para isso. Todas as tardes inventava uma história e estava lá, escondidinha atrás do muro, na pontinha dos pés. Olhos bem abertos, não dava um pio, para não chamar atenção. Como era baixinha, carregava uma pilha de tijolos para poder ter melhor visibilidade. Era seu programa preferido de fim de tarde, um cinema pornô ao natural.
Mas um dia a casa caiu. Márcia muito excitada com o banho de cuia de seu eleito se desequilibra e cai, soterrada pela pilha de tijolos. Diz ela: “Foi um susto danado e uma tremenda vergonha. Hoje estou com 22 anos e me lembro em detalhes dessa história.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário