quinta-feira, 11 de setembro de 2008

As bodas de ouro da Rodilândia

Gravação com seu Pedro dá início à série de documentários sobre os bairros de Nova Iguaçu

Uma das pontas do projeto "Minha Rua Tem História" começou a ganhar forma na manhã de ontem, quando o Secretario Municipal de Cultura e Turismo, o cineasta Marcus Vinicius Faustini reuniu-se com o produtor Raul Fernandes, a câmera Camila Marques e o técnico de som Luís Eduardo Carmo no bairro de Rodilândia, mais precisamente na Rua Diva.
É que ali eles entrevistaram Pedro Marcelino Dias, um aposentado de 76 anos que, na condição de um dos moradores mais antigos do bairro, será o protagonista do documentário a ser exibido no campo de futebol nas imediações da casa de dois andares que ele levantou com as próprias mãos, nos domingos e feriados ao longo de certa de 30 anos.

A equipe de Faustini também filmou a estudante Luana Mendes da Silva, que vai entrar no documentário por causa da história da árvore grávida, com a qual ganhou o primeiro prêmio da primeira fase do "Minha rua tem história". A técnica social do PAC Maria Severo da Silva também deu o seu depoimento. Além de ter sido o primeiro documentário gravado, o filme com os personagens de Rodilândia abrirá, no dia 20 de setembro, a série de exibição dos 13 curtas produzidos para o "Minha Rua Tem História".

Mato puro

Localizado pelos cineclubistas Diego Bion e Luana Pinheiro, que estão rodando a cidade atrás de pessoas idosas que possam contar a história do bairro em que moram, o aposentado Pedro Marcelino Dias chegou a Nova Iguaçu no remoto ano de 1965. "Eu comprei o primeiro lote desta rua", diz ele sentado na cadeira de madeira verde da varanda de sua casa, sempre acompanhado de Gustavo, um dos 17 netos que os seus nove filhos lhe deram.


"Quando cheguei aqui, isso era mato puro", acrescenta, para depois apontar para a subida por trás da frondosa amendoeira plantada há 36 anos na extremidade esquerda de seu quintal. Era por essa subida que ele saía, às três e quarenta da madrugada, para pegar o trem na estação de Austin quando começou a trabalhar na construção da Ponte Rio-Niterói, um de seus orgulhos.

Naquela época, havia apenas a casa de Afonso, onde hoje funciona o posto de saúde de Rodilândia. "Para descer pelo lado direito, ali onde termina a obra do PAC, a gente tinha que abrir picada de foice."

Cachimbo da turma
Seu Pedro viveu tempos épicos, quase heróicos."O senhor ajudou a construir do Rio", disse-lhe Faustini enquanto o aposentado espalhava algumas fotos e documentos pela mesa da varanda, dentre os quais o mais emblemático da saga desse homem de doces olhos azuis e um bigode que parece ter nascido com ele, é, sem dúvida, a ensebada carteira de trabalho.


Estão registradas ali as principais passagens de uma vida marcada por capítulo dramáticos desde que conheceu a esposa em uma tornada de farinha em conceição de Castelo no interior do Espírito Santo. A primeira dificuldade superada foi a da própria assinatura, que só aprendeu a rabiscar no Rio de Janeiro.Também não foi nada fácil o período de um ano em que trabalhou como servente no trecho da Rodovia Presidente Dutra que vai da Serra das Araras até o Km 0."A coisa começou a melhorar quando eu fui trabalhar na Ponte Rio-Niterói", lembra ele.

Essa melhora, no entanto, foi meramente econômica, pois terminou a obra como cachimbo da turma."Mas não morri por sorte", diz ele, que perdeu incontáveis companheiros ao longo dos cinco anos em que trabalhou nessa obra símbolo de ditadura militar.

Pinguela não caiu
Seu Pedro também participou da construção do bairro em que mora, do qual é o único pioneiro que resta vivo."Eu ajudei a construir aquela ponte ali debaixo", diz ele, apontando para o valão que faz divisa com a obra do PAC, há não mais que 50 metros de sua casa."Passam por ali caminhões de entregas e até hoje nunca caiu", orgulha-se seu Pedro.


O aposentado também usou sua mãos calejada para alargar a rua em que mora, que no começo não passava de uma picada de boi."Fizemos muitos mutirões para dar um jeito nesse fim de mundo”, lembra ele, mostrando a envelhecida foto preto-e-branco em que ele e o grupo de pioneiros derrubaram a mata próxima a sua casa.

Esses mutirões se estenderam para quase todas as casas da comunidade, onde a união dos moradores substituiu a ausência do pode público."Chegasse a sexta-feira, a gente já sabia que ia passar o fim de semana virando laje na casa de uma vizinha."Foi assim que transformaram seus barracos em espaçosas casas de alvenarias e abriram poços artesianos para colocar água na bica.

Bodas de ouro
Esses mutirões inevitavelmente terminavam com macarronadas, mocotós ou dobradinhas."Sempre tinha uma cachacinha também", lembra ele do alto dos seus saudáveis 76 anos, que ele atribui ao fato de não fumar e à moderação com que bebe.


Esses almoços também foram incorporados às obras de acabamento da casa, das quais participavam apenas os seus familiares.Esses almoços terminaram se tornando uma mania da numerosa família de seu Pedro."Tudo é pretexto pra que a gente se reúna aqui", diz seu Pedro encaminhando o grupo de filmagem para o terraço nos fundos da casa, tomado por uma longa mesa.

Os aniversários são comemorados ali, bem como as festas de fim de ano."Adoro reunir a família", admite.Nenhuma dessas festas, no entanto, terá o peso das bodas de ouro do seu casamento com dona Luzia Correia dos Santos Dias, cujos dias que faltam ele conta dos dedos."Vai ser no dia 29 de outubro de 2009", avisa ele.

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi! Sou Eliete Marcelino, a 7ª filha de Seu Pedro. Somos oito filhos no total.
Vocês não sabem a emoção que sinto hoje em poder ver a história de minha família e do bairro onde nasci e fui criada sendo um marco na história maior de nossa cidade. De fato, as verdadeiras histórias são aquelas que estão guardadas na memória de quem CONSTRUIU COM AS PRÓPRIAS MÃOS o lugar onde vive. Meu pai, e tantos outros, fez a história desse bairro. Esse projeto resgata a auto-estima desses desbravadores, senhores e senhoras que lutaram e fizeram as devidas mudanças em seu bairro. A união, o companheirismo, a solidariedade, a cumplicidade e a amizade sempre estavam presentes.
REsgatar a memória do povo é não deixar que a história dita "oficial" continue espalhando mentiras e homenageando verdadeiros "vilões".
Obrigada pela homenagem!
Parabéns pelo projeto!
Sucesso!!!
Eliete MArcelino Dias Andrade.