segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Apareceram as margaridas



Primeira tarefa da gincana é contar a história
de uma árvore


O projeto Minha Rua Tem Histórias, a contrapartida social do programa Pro Jovem, terminou a primeira semana com a entrada em cena dos oficineiros. Escolhidos a dedo em um rigoroso processo de seleção e treinados de modo a aplicar uma metodologia coesa, esses profissionais se espalharam pelos 17 bairros onde foram realizadas obras do PAC para coordenar as 68 turmas que estão participando da primeira gincana social do Brasil. Mal comparando, eles são a versão iguaçuana de Pedro Bial. Caberá a eles animar o processo de resgate da memória das ruas da cidade.

Eles chegaram aos bairros na tarde-noite de quinta-feira com a missão de dar a primeira tarefa da gincana: fazer com que os jovens levantem histórias das árvores de suas ruas. “Pode ser uma história engraçada, triste, trágica, romântica ou mesmo erótica”, explicou o artista multimídia Mozart Guida, responsável pelas oficinas ainda vazias do remoto bairro de Prados Verdes, na fronteira com a Zona Oeste do Rio de Janeiro. A primeira tarefa, que dará um ponto ao jovem que a concluir com sucesso, terá que ser entregue no início desta semana.

Histórias contadas pelas árvores
Há uma razão para que a primeira tarefa tenha como tema a natureza. “É que esse é um dinheiro carimbado”, explica Marcus Vinicius Faustini, secretário municipal de Cultura e Turismo e coordenador geral do projeto Minha Rua Tem História. “As empreiteiras que estão executando as obras do PAC estão obrigadas a financiar projetos ambientais no entorno da área em que estão trabalhando.” Mas Faustini também acredita que a árvore é um dispositivo capaz de acessar a memória das pessoas e da comunidade em que foi plantada. “A história de um bairro pode ser contada pelas suas árvores”, acredita.



A tarefa só foi só passada para os jovens depois de uma dinâmica conhecida como rizoma. Na prática, esse exercício consiste em criar uma roda com os jovens e fazer com que eles joguem uma bola enquanto dizem a primeira palavra ou expressão que lhes vem à mente a partir de um tema sugerido pelo oficineiro. “O rizoma é um exercício despretensioso”, afirma Faustini. “Não faz abordagens sociológicas, mas a partir dele a gente percebe como o grupo é”, afirma Faustini.



ETs no armário
As oficinas mostraram que o coordenador geral do projeto não estava superestimando o poder dessa dinâmica quando insistiu para que ela fosse aplicada em todas as oficinas. O duelo entre as milícias e o tráfico de drogas na Cobrex pôde ser percebido pelo oficineiro Leandro Martins quando um dos jovens associou a palavra “semente” a “semente do mal” ou “sombra” a “perseguição” e “medo”. As fantasmagóricas histórias de Rodilândia, onde o oficineiro Jorge Peixoto ouviu surpreso histórias como a de uma mulher de branco que assombrava os banheiros da escola Odir Araújo ou a da menina que tinha uma família de ETs no armário, podiam ser antecipadas nas associações entre “sombra” e “assombração”.

O poder dessa dinâmica pode ser medido pelo número de lembranças que vieram à tona nas noites de quinta-feira e sexta-feira, mesmo que os oficineiros tenham sido treinados para impedir que as histórias surgissem no cenário em que estavam trabalhando. No Rancho Novo, o oficineiro Tiago Costa ouviu maravilhado o relato sobre o Seu Piu Piu, um senhor que aos poucos foi levando seus pertences para a árvore embaixo da qual foi morar. Em Cabuçu, a oficineira Regiane Almeida teve dificuldade para conter o riso diante do mar de histórias eróticas narradas pelos jovens. “Em uma delas, um homem fez de tudo para afastar as pessoas que iam namorar na mangueira em frente a sua casa”, contou a oficineira na reunião de avaliação do sábado. “ Primeiro passou graxa para sujar a roupa das pessoas, depois pregou tachinhas e por fim derrubou a árvore.”

Sumiu na árvore
Na Cobrex, o oficineiro Leandro Martins cantou a música de um CD de Bozo, que fala de um passarinho que fugiu da gaiola, para evocar as lembranças de histórias associadas a árvores. Foi assim que, na primeira oficina de quinta-feira, ouviu a quase sobrenatural história de uma laranjeira que só passou a dar frutos no dia em que o seu dono ameaçou cortá-la. Na mesma turma, uma das jovens falou da árvore na qual o pai bateu com o carro e morreu, onde ainda hoje restam as marcas do acidente.

Na Rodilândia, o oficineiro Jorge Peixoto registrou a fantástica história de uma menina esquecida pela mãe na árvore em que costumava subir para caçar as cigarras que colecionava. “Como ela não sabia descer, passou horas lá em cima”, contou o oficineiro na avaliação do sábado. Essa menina parece ter tido mais sorte que o menino que sumiu na árvore, relatado em uma das oficinas de quinta-feira do Bairro da Luz, coordenada pela fisioterapeuta Michelle Pereira de Lima. “Uma senhora de Santa Eugênia chegou a subir para ver o que restava dele”, contou a oficineira. “Só encontrou vestígios da roupa dele.”

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