quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Povo sem medo

Moradores lotam CIEP 167 para assistir ao primeiro documentário feito no Jardim Guandu

As ruidosas partidas de queimada, uma das principais opções de lazer de Jardim Guandu, foram sensivelmente esvaziadas na noite desta terça-feira. É que parte expressiva desse público preferiu ir para o CIEP 167, onde foram exibidos a última safra de desenhos animados da Escola Livre de Cinema e o documentário com personagens do bairro. Apenas Heide Cristina da Conceição, uma das jovens mais ativas das oficinas da Turma A, levou 28 pessoas. O feito lhe rendeu um MP4 da produção da gincana social "Minha rua tem história". Antes de ela chegar, um dos jovens do projeto havia aparecido com um bonde de 20 pessoas.

As normalistas Aline Costa, Ana Paula, Mila Costa e Camila Rosa também trocaram as queimadas da vizinhança para acompanhar principalmente o depoimento de Cristiane Andrade Ferreira, uma das muitas amigas que fizeram nas oficinas da Turma B. "A rua dela é igual a minha", disse a sorridente Camila. Como a personagem do documentário, Camila aguarda ansiosa o dia em que poderá convidar os amigos para assar uma carne em frente a sua casa. "Não tem graça fazer um churrasco no meio da lama." O dia da alforria se dará quando a obra for concluída.

As quatro amigas estudam em Seropédica, que, embora a chamem jocosamente de Roçapédica, é uma importante referência para os moradores da área rural de Nova Iguaçu. "Independentemente da escola, eu vou mais a Seropédica do que ao centro de Nova Iguaçu", afirma Aline Cristina. Outra importante referência para as inseparáveis amigas, que se conheceram no Colégio Estadual Presidente Dutra, é o bairro carioca de Campo Grande. "A gente vai lá por causa do comércio", lembra Camila Rosa, que, além das dificuldades de comprar um vestido perto de casa, também se ressente de não ter uma "praça decente" para que as crianças e os jovens do bairro possam se divertir. Apesar das poucas opções de lazer, Camila não se vê morando longe de Jardim Guandu. "Aqui não tem medo", explica. "O povo é do povo."

Euforia do coroa
Era a primeira vez na vida em que a normalista Ana Paula estava tão próxima dos personagens que viu na tela, ms ela já esperava que isso acontecesse. "Pela natureza do projeto, achei natural quando soube que tinham feito um filme sobre Jardim Guandu", disse ela. A razão para isso foi a presença dos jovens reórteres nas oficinas e o próprio resgate da história do bairro, onipresente durante o projeto. Crítica e desconfiada, Ana Paula vem acompanhando com interesse tanto as obras do PAC quanto o projeto, mas ainda quer dar tempo ao tempo para comemorar. "Não vou fazer como um coroa da minha rua, que começou a gritar de euforia no dia em que botaram luz lá."

Um dos personagens descobertos pelo documentário, o comerciante Juramil Alves também não foi nem um pouco moderado ao comemorar a chegada das obras na Rua Papoula, onde mora desde o remoto ano de 1970 e abriu uma lanchonete em parceria com a mulher, Dona Ruth. "A obra mudou a nossa vida", afirma ele, que lamentou a ausência dos sete filhos na noite de terça-feira, todos eles criados e muito ocupados com as responsabilidades de chefe de família e profissionais. "Hoje, os meus clientes mais importantes são os peões da obra", comemora ele, que abriu seu negócio em 2004, ao se aposentar.

Mas não foi só por uma razão econômica que este mulato de 61 anos vibrou com a chegada das obras do PAC. Uma importante liderança comunitária de Jardim Guandu, Juramil está acostumado a bater na porta da Prefeitura para reivindicar melhorias no bairro. "Levo comissão de moradores desde a época de Ruy Queiroz (1969/1971)", lembra ele. Sua insistência só foi premiada na gestão do atual prefeito, que ele começou a visitar tão logo ele foi empossado. "Eu disse que ele não ia se arrepender, se investisse aqui."

Bairro não foi estudado na escola
Os irmãos Vinícius e Dione Souza Moreira também estavam no CIEP 167, e ficaram particularmente tocados com o depoimento dos moradores de Jardim Guandu. Vinícius, que tem 19 anos e há um ano concluiu o ensino médio no mesmo brizolão em que os filmes foram exibidos, não conhecia nenhum dos três personagens que representaram o bairro no qual nasceu e se criou. "Acho importante conhecer a história de Jardim Guandu", diz ele, que estranha o fato de suas professoras jamais terem passado um trabalho sobre personagens do bairro.

Sua irmã Dione também ficou satisfeita com a programação da última terça-feira. "Mostrou a nossa realidade, o que melhorou nos últimos tempos", diz ela, que compara o que viu no CIEP 167 com o que está acontecendo na Rua Carlos Alberto, onde mora. "A vida está muito melhor agora, que asfaltaram. Mas ainda tem muito o que fazer."

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