quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Guerra religiosa na Prata

Árvore cai em cima de carro e evangélicos suspeitam de vizinha macumbeira
Por Anderson Chagas

Nem o calor escaldante da primavera iguaçuana consegue amolecer a equipe encarregada de executar as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no bairro da Prata, em Nova Iguaçu. Com a missão de melhorar as redes de esgoto e de águas pluviais da região, os operários se dividiram em dois grupos para acelerar as obras na Av. José Mariano Passos, principal via de ligação entre os municípios de Nova Iguaçu e Belford Roxo. Trabalhando nas duas extremidades da avenida, os operários já se tornaram velhos conhecidos de quem mora no trecho que vai do Caminho do Manhoso até a Av. Plínio Casado.

Neste mesmo trecho, a equipe de filmagem da gincana social "Minha rua tem história" suava um bocado para encontrar a casa de Ricardo Mariano, integrante do Pro-Jovem que contou a história de uma vizinha bastante conhecida no bairro. Segundo as más línguas, a tal vizinha costumava usar poderes sobrenaturais para resolver seus desafetos. De olho nessa história, a equipe de filmagem teve que comer muita poeira para encontrar Ricardo e registrar tudo isso.










A produtora da equipe de filmagem, Rebecca Ramos, tem vivido dias de co-piloto para localizar a casa de todas as pessoas que serão filmadas até o fim desta fase do projeto. Munida de referências e fotos de satélite, Rebecca tem mostrado habilidade com os ossos do ofício. “Gente, estamos na rua certa. Mas passamos da casa. Ela fica ali atrás”, disse Rebecca, aliviando a equipe. E foi lá, no número 51 da Rua Vitória, que o jovem Ricardo Mariano recebeu a equipe com a maior simpatia: “Oi, pessoal. Tudo bom? Sejam bem-vindos! Podem ir entrando.”

Cinco anos
Logo na entrada, a equipe teve que desviar de dois montes: um de areia clara e o outro de areia escura. Eles estavam sendo usados na obra de ampliação de uma das duas casas que dividem o mesmo terreno com a de Ricardo Mariano. A todo vapor, Alexandre Carvalho, o Xandão, enchia um balde com a areia enquanto seu amigo, o pedreiro Carlos Henrique, o Didio, puxava o material para concluir o imóvel, que já se encontra com três andares. “O segundo andar, que fica sobre a garagem da casa, eu transformei em um depósito para guardar meus materiais de trabalho. Faço ornamentações para festas infantis”, revelou Xandão, todo orgulhoso por ter erguido tudo aquilo com seu próprio suor. “Essa obra já dura uns cinco anos. Ela foi toda feita por nós dois”, disse, apontando para o amigo e para si.

Enquanto Xandão dava boas-vindas à equipe de filmagem, o diretor de gravação, Gregório Mariz, analisava a locação, procurando o melhor fundo para enquadrar Ricardo Mariano. Depois de pensar bastante, o diretor decidiu que a varanda da casa seria o lugar ideal para que a cinegrafista Camila Marques posicionasse sua câmera. A intenção desta terceira etapa da gincana social é filmar as melhores histórias contadas na segunda fase da gincana. Também estão dando depoimentos antigos moradores de cada bairro e o técnico social das obras do PAC.

Quem será contra nós?
Dessa vez, a história a ser gravada era justamente a da vizinha do Ricardo. Ele contou esse fato durante as oficinas do Pro Jovem na E. M. Menino de Deus, que também fica no bairro da Prata. Preparado para gravar, Ricardo sentou-se em uma cadeira de plástico que estava na varanda, bem em frente à porta de acesso para a sala. A porta, de ferro com janelas de vidro, estava coberta de adesivos com dizeres evangélicos:

“Deus dê saúde aos nossos inimigos para que eles possam assistir a minha vitória.”
“Se Deus é por nós, quem será contra nós?”
“Sou feliz por ser evangélico.”
“Tá amarrado, olho grande.”
“Deus abençoe este lugar.”

Diante desse quadro, a cinegrafista Camila enquadrou o jovem e fez os últimos ajustes para iniciar a gravação.

Barulho da pá
Convicto de que estava tudo certo para a gravação, o diretor pediu silêncio para que nenhum ruído interferisse no depoimento do jovem e ordenou o início da filmagem: “Silêncio, por favor. Gravando!”

Quase ao mesmo tempo, o técnico de áudio, Luis Eduardo, percebeu que algum barulho estranho estava sendo captado pelo equipamento. Era o Xandão. Ele não sabia que o barulho da pá, mesmo distante, atrapalharia a gravação da história. Ao perceber a situação, Xandão parou imediatamente a obra. “Galera, me desculpa. Podem ficar tranqüilos aí que eu paro a obra. Relaxa!” Depois de resolver o problema do barulho, a equipe pôde começar a gravação. Ricardo Mariano aguardava pacientemente o ‘ok’ do diretor para iniciar a história tão aguardada. “Silêncio. Gravando!”

Após a deixa do diretor, Ricardo iniciou seu depoimento falando um pouco sobre a sua experiência no "Minha rua tem história". Segundo ele, o projeto ‘puxa’ o jovem para participar das decisões importantes para a convivência. “Acabamos discutindo os problemas do bairro. Assim as pessoas percebem que o jovem tem algo a dizer”, explicou.

Pega no pesado
Ricardo Mariano não é um jovem comum. Adora basquete, torce pelo Chicago Bull e idolatra o ex-astro das quadras Michael Jordan. Ele abriu seu depoimento dizendo que gosta muito de encontrar os amigos para conversar sobre programas de televisão e outros assuntos. Entretanto, Ricardo fez um comentário que foge um pouco da mentalidade de quem atravessa esse estágio da juventude. “Admiro as pessoas que pegam no pesado. Admiro os pedreiros. São como soldados das forças armadas”, filosofou o jovem, que deseja seguir a carreira de bombeiro. “Gosto muito de ajudar as pessoas”, completou.

Olhando para a lente da câmera, Ricardo começou a contar a história que intrigou os jovens da Jacutinga e da Prata. Com riqueza de detalhes, Ricardo contou a história de uma vizinha que mexe com magia negra. Tudo começou quando a árvore plantada na calçada da tal vizinha caiu sobre o carro de outro morador da rua. Para muita gente do bairro, a árvore não caiu acidentalmente. Muitas pessoas acreditam que o episódio se deve a uma feitiçaria da vizinha.

Ricardo disse que o dono do carro discutia com freqüência com a tal vizinha. “Ele sempre se queixava das crianças que viviam na casa da vizinha, por causa das freqüentes boladas que atingiam o carro dele”, comentou. Dando toda pinta de que também acredita nos poderes da vizinha, Ricardo finalizou a história em tom de suspense. “Em um dia se sol, o dono do carro foi aproveitar a sobrinha da árvore da vizinha. Se deu mal, pois a dita cuja caiu, sem dó nem piedade, sobre o teto do automóvel.”

Na base do boca-a-boca, essa história se perpetua, já há algum tempo, no bairro da Prata. Se é verdade ou mentira, ninguém sabe dizer.

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