Por Alcyr Cavalcanti
Nova Iguaçu vai ao cinema, ou melhor, o cinema vai a Nova Iguaçu.
A “sacada” foi genial: o artista deve ir até onde o povo está. Como no belo canto de Milton Nascimento, a platéia esperava ansiosamente ver suas imagens na tela branca, em filme feito por iguaçuanos com atores locais.
Como aperitivo, desenhos animados para descontrair e cativar o público composto de centenas de crianças. Um preparativo para o que viria de melhor, eles mesmos. A magia de se ver na tela a 24 quadros por segundo, a magia do cinema. Em uma cadeira na segunda fila da platéia, concentrado em um silêncio quase religioso estava seu ator principal: Julio Furtado Medeiros.
Seu Julio, como é conhecido, tem 69 anos. Nasceu em Petrópolis e veio cedo para a Baixada. Gostou e nunca mais saiu, aqui criou raízes. “Gosto dessa terra, daqui só saio deitado para o descanso eterno”, diz com um misto de alegria e tristeza. Julio colocou uma roupa novinha, camisa bem passada, calça vincada, sapatos polidos, barba feita, rosto escanhoado, cabelos brancos cuidadosamente penteados, um leve perfume. Parecia um personagem da fase de ouro do cinema neo-realista italiano. Se Pier Paolo Pasolini estivesse vivo, Julio certamente seria um de seus atores favoritos.
Região serrana
Trabalha desde menino, com dez anos já cortava lenha. Da região serrana veio para trabalhar na lavoura, no plantio de laranjas, na época em que o Estado do Rio era um grande laranjal. Pragas, intempéries e principalmente descaso dos governantes abandonaram as terras antes férteis ao “Deus dará”. “Fico triste”, diz ele. “Agora pago um dinheirão por uma dúzia de laranjas sem gosto, parece água.” Julio é aposentado, ganhando “uma merreca de R$ 415,00”, mesmo tendo contribuído durante 28 anos. Complementa sua renda com um pequeno aluguel de um inquilino Reginaldo, que considera como amigo. Reginaldo Alves, 56 anos, assiste ao filme atentamente ao seu lado.
Seu Julio se emociona quando se vê na tela, e se recorda da última vez que foi ao cinema, no distante ano de 1958, em um cinema na rua Mem de Sá, na Lapa, centro do Rio. Do filme não se lembra mais o nome, mas era um filme de bangue-bangue americano.
“Nunca mais fui ao cinema, é como se hoje fosse a primeira vez. Nunca pensei que fosse ver um filme aqui no Guandu.” Aos poucos, Seu Julio foi deixando a lavoura atrás de novas oportunidades, de novas construções que aparecem nas novas cidades. Veio a obra da adutora do Guandu, e a oportunidade de trabalho. Para ele uma obra muito importante, que lembra com orgulho. Seus olhos, ao se recordar, tem um brilho especial.
Lacerdista e getulista
“Nunca me interessei por política, mas gostei do Carlos Lacerda, que fez a adutora.” “Trabalhei muito na construção. Fiquei com muito calo nas mãos, mas sabia que estava em uma obra que viria ficar para sempre.” Perguntado sobre em quem tinha votado na época, diz ter votado para governador no Negrão de Lima, inimigo histórico de Carlos Lacerda. No entanto, sua admiração era por Getúlio Vargas, para ele um mito. Em política no Brasil, os personagens geralmente estão acima (e à parte) dos partidos, e ainda hoje se notam curiosas contradições.
Homem de hábitos simples, assiste televisão diariamente. “Não sou fanático por TV, de ficar o dia inteiro sentado na frente assistindo a tudo, mas gosto de música sertaneja, de futebol e principalmente do “Jornal da Band”, que gosto bem mais do que das noticias da Globo.” Seu time de coração é o glorioso, o clube da estrela solitária, o Botafogo. “Fui muitas vezes ao Maracanã , e o maior jogador do mundo pra mim foi o Gerson, jogava demais. Botava a bola onde queria, era o melhor. Lamento não ter visto nem o Pelé, nem o Garrincha, que dizem foram os melhores, mas eu acho o Gerson.” Descrente de seu time de coração na fase atual, não gosta mais de ir ao estádio. “Tem muita violência”, afirma ele, para quem o o presidente do Botafogo e sua diretoria é responsável pelo time atual, que não dá gosto de ver jogar. “Qualquer jogadorzinho da seleção do Dunga se acha o tal, e tem jogador aí que não passava nem na porta de General Severiano quando vim pro Rio”, arremata.
Antes só
Seu Julio faz questão de ficar solteiro, embora tenha tido “muitas mulheres” ao longo dos anos. Sua última companheira se separou dele no carnaval. Diz não se lembrar do nome. “Chamava ela de Baiana. Até que gostava dela, mas mandei ela embora. Era muito mandona, queria me dar ordens, veja só. Até que cozinhava bem, mas queria fazer todo dia aquela comida amarela cheia de pimenta. Gosto mesmo é de um feijãozinho, de peixe, e de um bom bife com farofa, e sigo aquele ditado: 'antes só do que mal acompanhado.'”
Seus vizinhos são a sua família. Ele lamenta que nem todos puderam vir, pois tem uma porção de amigos para compartilhar sua alegria e um pouco de seus quinze minutos de fama. Lembra com uma ponta de nostalgia a conversa no pequeno barzinho na roda com os amigos sempre acompanhada por um copo de traçado e uma cervejinha bem gelada. Hoje só em ocasiões especiais, o médico proibiu excessos por causa da pressão alta.
“Convidei meus vizinhos Delcimar, Patrícia e seus filhos Patrício e Daiane, para assistir comigo. Eles são a minha família.”
Cadeiras são retiradas, a tela é desmontada, o momento mágico acabou. Seu Julio se despede, peço para tirar uma foto. Adair, nosso fotógrafo, pede uma pose ajeitando a posição do grupo, outros vizinhos se agregam fazendo pose. Seu Julio segura no colo carinhosamente o pequeno Patrício, para ele o filho que não teve. O tempo vai passar, mas Julio, seus amigos, para ele mais que uma família, ficarão eternizados no registro das imagens na memória de uma Nova Iguaçu. A noite de terça-feira no último dia do mês de setembro vai ficar como motivo das conversas por muito tempo.
Cadeiras são retiradas, a tela é desmontada, o momento mágico acabou. Seu Julio se despede, peço para tirar uma foto. Adair, nosso fotógrafo, pede uma pose ajeitando a posição do grupo, outros vizinhos se agregam fazendo pose. Seu Julio segura no colo carinhosamente o pequeno Patrício, para ele o filho que não teve. O tempo vai passar, mas Julio, seus amigos, para ele mais que uma família, ficarão eternizados no registro das imagens na memória de uma Nova Iguaçu. A noite de terça-feira no último dia do mês de setembro vai ficar como motivo das conversas por muito tempo.
Um comentário:
Participei ontem dia 01/10 da exibição na palhada foi ótimo,apesar da chuva.Adorei isto é cidadania os organizadores estão de parabéns!!
bjus !!!!
Helena assistente Jardim Palmares
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