quarta-feira, 29 de outubro de 2008
A pedagogia do grafite
Por Jéssica de Oliveira
Em Rodilândia, os moradores estão abrindo caminho para uma galera invadir os muros e deixar uma marca que é novidade no bairro: o grafite.
Lá, o conceito dessa arte está mudando graças às mensagens deixadas pela B.X.D Crew, que usa o grafite como meio de educar. Antes de conhecerem o trabalho dos artistas que têm o meio urbano com cenário, os moradores do bairro viam o grafite como vandalismo de jovens desocupados.
Um dos muros grafitados foi o da Dona Gilmara Oliveira, 26 anos, que mora na rua Araribá. Ela, que adorou o novo visual, ficou contente por ter sido escolhida. "Aqui no Rodilândia não temos muitas coisas como essa, o que é uma pena. Eu nem pensei duas vezes quando me pediram pra ceder o muro pra B.X.D, porque era isso que falatava aqui na rua: cor, energia, mensagens educativas. Penso até em fazer dentro da minha casa."
Free-style
Cerca de 20 jovens do Pro Jovem participaram de uma oficina de grafite e puderam conhecer um pouco mais sobre essa arte. Juan da Conceição, de 18 anos, mora na rua Dilma Pinheiro, que também teve um muro graffitado. Ele se amarrou tanto no visual quanto nas letras simples do "free-style", que ele ensaiou. "Se fosse no meu muro, seria demais! Eu sempre gostei do grafite porque é diferente da pichação, que suja os muros com coisas que desrespeitam os moradores."
Os grafiteiros de Nova Iguaçu são liderados pelo David Nogueira da Rocha, de 28 anos, mais conhecido como Dante. Hoje, eles vêem sua arte como um meio de mudança pessoal e profissional. Muitos jovens abandonaram as madrugadas e o perigo de serem pegos pichando fachadas de casas e prédios, e receberam espaços onde seus desenhos e mensagens são vistos e aplaudidos por muita gente. "Muita coisa ruim já me aconteceu. Hoje o grafite me dá a oportunidade de ensinar e aprender. Além de ser um grande hobby, é também o meu meio de sustento", conta Dante, satisfeito com os resultados e a repercussão.
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
O salvador da Nova Era
Um dos primeiros moradores de Jardim Nova Era, o pastor Orestes Barbosa deu depoimento para o documentário sobre o seu bairro
Por Anderson Fat
Uma pessoa tranqüila e trabalhadora. Essa é a imagem que a vizinhança tem de Seu Orestes, pastor evangélico, 64 anos, que vende salgadinhos e caldo de cana no portão de sua casa, no bairro Jardim Nova Era. Nascido na Zona da Mata, Orestes Barbosa dos Santos aprendeu logo cedo que o trabalho seria a mola mestra para superar a pobreza em que vivia no interior de Minas Gerais. Com apenas sete anos de idade, percebeu a chance de pregar uma peça no destino e mudar o rumo que a sua vida tenderia a tomar. Para ele, nada mudaria em sua história caso não estudasse em uma boa escola da cidade grande. E foi atrás desse sonho que Orestes veio para o Rio de Janeiro morar de favor na casa de uma tia, na Tijuca.
O namoro com a escola durou pouco tempo. Depois de concluir o ensino primário, o pequeno Orestes caiu firme no batente e começou a aprender mecânica automotiva trabalhando em uma oficina,
Casa no morro
Conforme foi ganhando experiência, o jovem Orestes começou a ser convidado para trabalhar em oficinas maiores, prestando serviço de lanternagem. "Cheguei a trabalhar numas sete oficinas de grande porte", orgulha-se, lembrando dos tempos de 'vaca gorda'. "Mas de uns tempos pra cá esse negócio começou a cair. Hoje, quem quer consertar um carro, leva numa autorizada. Desse jeito, fica ruim para as pequenas oficinas. Quando percebi isso, pulei fora", explica, mostrando a visão que tem para negócios.
Durante o tempo que trabalhou consertando carros, Seu Orestes, que não era bobo, conseguiu juntar uma graninha para fazer o seu pé de meia. Com essa grana, passou a procurar uma casa para comprar. Num primeiro momento, queria continuar morando na Zona Sul. "Pensei em comprar uma casa no morro Dona Marta,
Amor à primeira vista
Até que um dia, passeando na praia de Botafogo, Orestes leu o anúncio de um terreno para vender a cinco minutos da estação de Nova Iguaçu. "Na hora pensei: ‘Nem pensar. Não vou morar na roça’", lembra. Mas aos poucos, o jovem Orestes foi se acostumando com a idéia e resolveu conhecer o tal terreno de perto. Pegou um carro emprestado com um amigo e veio ‘a mil’ para Nova Iguaçu. Quando chegou, soube que não era o terreno que ficava a 5 minutos da estação ferroviária, mas a imobiliária. Lá, foi informado que teria que seguir viagem por mais uns 10 minutos até chegar ao terreno anunciado. "Já estava aqui mesmo, né? Resolvi prosseguir viagem", decidiu.
Dez minutos mais tarde, lá estava seu Orestes frente a frente com o que mais tarde viria a ser seu lar. Na época, um grande descampado com uma fundação para levantar 40 casas. "Foi amor à primeira vista", relembra. "Quando voltei para fechar o negócio, já havia outra fundação para mais 40 casas. Aí, pensei: ‘esse lugar vai crescer’", disse. Foi assim que o jovem Orestes, com 21 anos de idade, adquiriu seu primeiro bem.
Em dois anos de muito trabalho, Orestes construiu sua casinha. Estava pronto para casar. Foi quando decidiu pedir a mão de Josete dos Santos
Sem perder o faro para negócios, resolveu diversificar seus investimentos. No portão da casa nova, ele passou a vender salgado e caldo de cana. Já na garagem, montou uma oficina mecânica com tudo o que tinha direito. “Eu tinha muita coisa de oficina guardada. Trouxe tudo para cá. Minha mulher que não gostava muito, sempre dizia para eu jogar aquilo fora. Mas, viu? Se eu tivesse ido na idéia dela, nada disso aqui existira”, conclui, feliz da vida, num cantinho da garagem que ele usa para guardar ferramentas, uma geladeira, uma máquina de caldo de cana, e mais um monte de pneus de carros e de bicicletas. Hoje, as bicicletas são o público alvo do seu Orestes. Não demorou muito até uma mãe bater em seu portão solicitando seus serviços. “Seu Orestes, será que o senhor pode ver a bicicleta do meu filho hoje? Acho que o pneu furou”, deduz a senhora. “Claro que sim, dona. Quando a senhora for deixar seu filho na escola, traga a bicicleta para mim”, agenda.
Com pouco mais de um metro e meio de altura, Seu Orestes se mostra um grande empreendedor. De olho no boom imobiliário que a cidade vive atualmente, ele já prepara o campo do seu novo empreendimento. “Agora pretendo construir dois ou três quartinhos (quitinetes) para alugar. E garanto que até o fim do ano vai estar prontinho para morar”, arrisca. Seu Orestes admite ser um homem realizado na vida por ter dado conta de oito filhos e onze netos. Segundo ele, o seu mais novo desafio é “salvar almas”. Com brilho nos olhos, o também pastor Orestes se despede com uma revelação digna de um homem de bem que só visa o bem. “Depois que conheci a igreja evangélica, me dedico a salvar a vida das pessoas. Isso me faz feliz”.
Por Larissa Leotério
Eles foram chegando aos poucos e de forma bem tímida, mas, assim que a oficina começou, eles ficaram muito mais à vontade. Essa coisa de quebrar a rotina do bairro, colocar os jovens na rua, estampar nos lugares a cara da juventude, realmente mexe com as pessoas, com os moradores. Um deles foi seu Luiz Carlos, que cedeu o seu muro em frente à Praça do Manhoso para a grafitagem. Ele aprovou a idéia logo de cara. “É desse incentivo que os jovens precisam pra transformar o bairro”, explicou
O grafiteiro Josué Gonçalves, para quem é ruim sujar as ruas e os muros com as pichações, explicou a importância da conscientização. “Onde há grafite, dificilmente há pichação”, afirmou ele, que tem 26 anos. Alguns jovens que passavam pela praça ficaram muito interessados e o abordaram, perguntando se a “galera do grafite” dava oficinas. Aquela foi a primeira oficina de que participaram.
O reduzido número de jovens da gincana social “Minha rua tem história” foi compensada pelo entusiasmo dos presentes. Um desses jovens empolgados foi Daiana Cortes, que estava tendo o seu primeiro contato com o grafite. “Quero aprender como se desenha dessa forma”, disse.
Durante a tarde, a grafitagem seguiu pelo bairro. Foi mais descontraída e, apesar de ter ainda menos alunos que na primeira oficina, bastante animada. E o objetivo foi alcançado em sua essência, com mensagens do tipo “A caixa dágua da minha casa é limpa a cada seis meses. E a sua?” e “Na minha casa, brincamos de não deixar a torneira aberta, e na sua”: a conservação do espaço feita por quem vive nele. Por meio da arte.
Grafite muda o mundo
Por Leandro Furtado
O grafite é forma de manifestação artística que utiliza o espaço público para expor suas obras. Popularmente falando, o grafite é um tipo pintura feita basicamente com o uso de sprays. Conscientização é a palavra que define o papel do grafite na sociedade. E é com esse pensamento que uma galera de jovens grafiteiros vem acabando de vez com aquela velha história de que na Baixada não existe cultura. Esse bonde, chamado BXD Crew, é puxado pelo grafiteiro Dante, conhecido por ser o braço colorido das intervenções do programa Bairro-Escola. Sem muito papo, eles colocaram a mão na massa, ou melhor, na lata para praticar aquilo que eles sabem fazer como ninguém: arte.
O comerciante Luiz Carlos do Nascimento, 51 anos, morador do largo do manhoso há mais 35 anos teve o privilégio de ser o primeiro da lista, tendo seu muro grafitado antes de todos ou outros. O dono do muro inicial é um de família com cinco filhos. Para ele aquela intervenção era uma coisa muito boa que estava acontecendo. “O talento do grafiteiro junto com essa coisa da informação, eu acho muito legal. Se compararmos com pichação, que não é legal, vejo uma enorme diferença”, pensa ele.
Quem passa pelo local onde vem acontecendo as obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) vai ouvir o barulho das máquinas. Também irá encontrar muitas manilhas, pedras e areia no meio da rua. Mas tudo isso valerá a pena. Pelo menos é o que espera a dona Berenice, 57 anos. Ela também teve seu muro todo grafitado neste dia. “No início fiquei meio receosa”, diz ela, que não imaginava que se pudesse fazer arte com aqueles jatos de spray. Ao ver o resultado estampado em seu muro, Dona Berenice começou a fazer planos para o futuro. Agora ela pretende reformar a casa para acompanhar a evolução pela qual sua rua está passando.
Informação por todos os lados. Quando os alunos do Pro Jovem têm o contato com as latas de spray, os grafiteiros fazem questão de passar as mensagens corretas para eles. Tag, crew e outras palavras novas brotam entre esses amigos que habitualmente pintam juntos.
Delegacia
O grafiteiro Davi Nogueira, o Dante, revela que já foi pichador e que, na época, nunca fora preso, sempre dando um jeito de escapar da polícia. “Desde que me tornei grafiteiro, nunca mais precisei fugir da polícia”, comemora. Hoje, Dante carrega no currículo a façanha de ter grafitado o interior de uma delegacia.
Josué Gonçalves, 22, conhecido com JCS, gosta de usar tintas da marca Montana para fazer seus grafites. “Temos trabalhado muito com isso. Trazemos a beleza da arte para as comunidades. É difícil ver pichações nos lugares onde tem grafite”, completa ele. O grafite é uma arte que traz educação, muda comportamentos, faz pensar e ainda une as pessoas. A conscientização muda o mundo.
Prata de graça
Por Luiz Felipe Garcez e Marina Rosa
Alguns podem até considerar grafite coisa de pichador, deliquente ou marginal. Mas não achamos ninguém que chegasse perto desse pensamento no Bairro Prata, onde chegamos às dez horas da manhã dessa última terça-feira. Estava na cara a alegria dos moradores que autorizaram o grafite em seus muros.
Luiz Carlos do Nascimento tem 51 anos e é mais ou menos dono da mercearia ao lado do Largo do Manhoso, como ele mesmo disse e preferiu não explicar, onde aconteceu a oficina de grafite da parte da manhã. Seu Luiz Carlos dividia sua atenção com a mercearia e com o grafite animado. “É legal ver isso acontecendo porque é uma forma de incentivar os jovens a participarem dos projetos, como esse mesmo que tá acontecendo”, disse ele, orgulhoso de seu muro.
Margareth Menezes, uma empresária de 44 anos nascida e criada
Não enche mais
Dona Vanuza, que mora há 40 anos no mesmo bairro, precisou de um pouco de tempo para assimilar a idéia de ter o muro de sua casa grafitado. “Não estamos acostumados com essas coisas, ainda mais por aqui, assim de graça”, disse rindo. Parte do humor de Dona Danuza se devia às obras do PAC na rua em que mora. “Se minha rua tem história, depois da obra vou falar: ‘minha rua enchia, agora não enche mais.’”
A oficina de grafitagem, juntamente com os números auspiciosos da gincana social “Minha rua tem história”, ajudou a mudar a opinião do simpático e extrovertido comerciante Alexandre Almeida, mais conhecido como Batata, sobre a gestão do Prefeito Lindberg Farias. Chegou a propor a adaptação do slogan grafitado no vistoso muro do ferro-velho de sua propriedade, no qual se lia “Lá em casa brincamos de não deixar torneira aberta. E na sua?”. “Por que vocês não colocam: ‘Doe a bateria do seu celular e preserve o meio ambiente’?”, sugeriu a Dante. “É que eu trabalho com isso e me ajudaria a divulgar essa campanha sem prejudicar o trabalho de vocês”, explicou.
Jeito na casa
Dona Berenice, que há 32 anos mora na casa cujo muro foi grafitado, teve medo de assinar a autorização para os funcionários da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo que a procuraram. Mas ela ficou muito satisfeita com o resultado da oficina. “Gostei da idéia de pintar o muro e ainda pedi para que o pintassem inteiro”, disse ela, que não sabia o que era um grafite. “Com a rua bonita e o muro pintado, vou ter que ajeitar mais a casa.”
Muros pintados, moradores satisfeitos, jovens repórteres cansados, grafiteiros bolados com a escassez de tinta e um sentimento comum de mais um trabalho realizado com sucesso: a Prata, que já não era a mesma no campo cultural desde as oficinas do “Minha rua tem história” agora já não é mais a mesma no campo físico com os grafites no muro de vários moradores.
terça-feira, 21 de outubro de 2008
Onde se escondem os melhores perfumes
Jovem revelada pelas oficinas de Cabuçu participa da grafitagem do seu bairro e ganha o nome artístico de "Pequeno frasco"
Por Fernanda Bastos
A arte tomou conta das ruas de Cabuçu. A gincana social "Minha rua tem história" teve mais uma etapa no bairro: a grafitagem de quatro muros. A oficina de grafitti teve a intenção de fazer os jovens colocarem "a mão na massa", ou melhor, no spray. Sob a coordenação de Dante (David Nogueira da Rocha), Ruffos (Osvaldo) e JCS (Josué Gonçalves), a turma do Pro Jovem de Cabuçu teve a oportunidade de materializar as propostas da gincana social em muros de ruas próximas à Escola Municipal Abílio Ribeiro. A oficina que durou toda a manhã e parte da tarde do último dia 15 de outubro (dia do professor). Eu estava acompanhada por meu noivo, o professor e geógrafo Edson Borges. Como é um apaixonado ativista da causa da Baixada Fluminense, ele fez questão de estar lá para contemplar e colaborar com a atividade, dando os clikes necessários.
Os grafites foram feitos em duas etapas. Na primeira, uma equipe identificou, solicitou a autorização dos moradores e pintou em PVA um quadro bege com moldura preta (uma espécie de quadro-negro). Na segunda etapa, vinha o grafite propriamente dito. No grafite, havia um personagem escrevendo (no quadro-negro) uma frase de conscientização ambiental. Foram escritas duas frases: "Lá em casa brincamos de não deixar a torneira aberta. E na sua?"; "Na minha casa a caixa d'água é limpa a cada seis meses. E na sua?"
O primeiro muro pintado foi o de Genésio Cardoso, morador da rua Juazeiro, bem em frente à Escola Municipal Abílio Ribeiro. Ele mora em Cabuçu desde 1964 e, além de ter cedido parte do seu terreno para que a Prefeitura Municipal de Nova iguaçu construísse escola, trabalhou em sua obra. "Hoje tenho orgulho de ver tantas crianças estudando nesta escola, entre elas os meus netos", disse ele. A velha consciência social só fez aumentar quando viu as obras do PAC asfaltando sua rua. "Foi por isso que cedi meu muro para os jovens trabalharem", acrescentou ele, que teve que interromper a entrevista para socorrer um vizinho que havia desmaiado. Com seu inseparável fusquinha, levou o vizinho para a Unidade Mista de Saúde Patrícia Marinho (Posto 24h do Jd Paraíso), mas não sem antes posar para a foto do blog.
O primeiro muro foi grafitado por profissionais, amadores, leigos e curiosos. Entre os artistas desconhecidos, estava a "pro jovem" Carla Moreira da Silva. Participar de uma grafitagem sempre foi um sonho para ela. "Sempre tive vontade, mas nunca tive oportunidade", disse Carla. "Grafitar é uma arte, um "show" de conscientização." Ela, que sempre procurou um curso ou alguém que lhe ensinasse essa arte, tem consciência de que é uma arte cara, inacessível aos menos favorecidos. O grafiteiro Dante confirma a tese de Carla. "Na Zona Sul, os playboys pagam cursos com facilidade, mas na periferia não é fácil!"
O segundo muro, na rua Sergio Mota, também próximo à escola, novamente teve a participação de outros alunos do Pro Jovem. Neste, o morador não se encontrava e por isso não pudemos entrevistá-lo. Como mostra a foto de crianças admirando os desenhos de Dante e Ruffos e as letras de JCS, a ausência do dono da casa não comprometeu os trabalhos.
O sol escaldante não foi empecilho para que continuássemos a jornada. Desta vez, a parada foi no número 11 da rua Catende, onde tivemos uma surpresa para lá de agradável. Márcia Cristina convidou a mim e ao meu noivo para entrarmos em sua casa e dispensou atenção além do que havia solicitado. "Fiquei entusiasmada ao saber que a arte parecida com a da Via Light estaria estampada em meu muro", disse ela, que no ano passado terminou o ensino médio graças ao Pro Jovem. Não hesitei em convidá-la para fazer parte do mutirão da arte, de firmar história ao colaborar com a grafitagem de seu próprio muro. "Eu achei muito legal", disse ela. "Pra mim foi uma surpresa, pois é um trabalho bonito".
E lá fomos nós pela estrada rumo ao último combate: o quarto muro! Esse não tinha morador, pois é um espaço dedicado a eventos e atividades esportivas na rua Juá, bem próximo ao ponto final de um dos três ônibus que ligam Cabuçu ao Centro da Cidade do Rio de Janeiro, o da empresa Evanil. A esta última obra não resisti, nem meu noivo. Cheguei até a ganhar um nome artístico, um pseudônimo: "pequeno frasco".
Durante a grafitagem, aproveitamos para entrevistar Simone Fonseca, da equipe social do PAC e funcionária da Secretaria Municipal da Cidade. Para ela, é fundamental que haja a integração dos projetos sociais e urbanos do governo federal e a participação da administração municipal. "Nossa parceria com o 'Minha rua tem história' tem como objetivo embelezar, educar, resgatar a identidade da comunidade, buscando a conscientização para a preservação das ruas", disse. E exemplificou: "As árvores serão plantadas nas ruas entre os muros e calçadas", disse ela. "Elas têm que ser adotadas pelos moradores para que as ruas virem alamedas, corredores de vida e de vida saudável".
Ao final, entre elogios de pedestres, brincadeiras e zoações ("parem de pixar o muro!"), convocamos um cidadão a tirar a última foto para registrar o precioso dia em nossas vidas, certos de que todos tiveram uma lição de vida e de cidadania.
No final destas linhas o que deixo é que é maravilhoso PARTICIPAR! Participar dos processos sócio-culturais, das atividades de aspecto ambiental, profissional, pessoal. A Cidadania é algo palpável, não é uma utopia, como dizem muitos. Uma coisa é certa: quando alguém apostar em suas potencialidades, não tema! Encare de fundo o desafio e mostre pra você mesmo a sua força. Quando recebi o primeiro contato do escritor Julio Ludemir, secretário adjunto de Cultura e Turismo, não sabia qual seria a magnitude de minha colaboração no "Minha rua tem história". Mas uma coisa foi certa: eu acreditei na OPORTUNIDADE! E posso dizer com tranqüilidade que, com minha PARTICIPAÇÂO, eu vivi, fiz parte da história e isso vai ficar eternizado no meu coração.
Beijos em todos!!!
segunda-feira, 20 de outubro de 2008
Conscientização à vista
Fotos de Viviane Menezes
"A caixa d'água lá de casa é limpa a cada seis meses. E a sua?" Esta frase foi grafitada no muro de uma casa localizada no Bairro Luiz de Lemos, Nova Iguaçu. Caprichando nas cores, a BXD Crew, turma de grafiteiros liderada por Dante, dava nova vida a muros até então sem expressão. A mobilização reuniu cerca de 50 jovens da gincana social 'Minha rua tem história'. O evento começou às 14h, em frente à Escola Municipal Luiz de Lemos. A novidade da oficina-surpresa foi a presença dos grafiteiros Dante e Rufos, que fizeram a alegria da garotada e da população local com a arte do grafite.
Não faltaram olhares curiosos. Nos ônibus, por exemplo, os passageiros ficavam maravilhados ao ver os muros coloridos. Um desses muros fica em frente ao ponto de ônibus, e acabou virando o centro das atenções para aqueles que não tinham o que olhar enquanto aguardavam a condução.
Esperando o ônibus, a estudante de administração Cláudia Regina, 25 anos, admirava o visual. E gostou. "É bem legal. Bem melhor do que olhar muros sujos ou pichados. É um trabalho artístico muito interessante". Ela contou que é a primeira vez que viu essa arte sendo feita perto de sua casa. "Nunca tinha visto isso por aqui", espanta-se.
Perguntada se disponibilizaria o muro da sua casa para grafitar, Cláudia disse que não sabia se iria ficar legal, pois mora num conjunto de casas: "Na minha casa, talvez não. Fica melhor na estrada principal, pois a visibilidade é maior", esquiva-se.
A novidade também surpreendeu Juaz Silva, 28 anos. Ele mora há dez anos no bairro. "Isso é mais utilizado lá em baixo, no Rio. Por aqui nunca vi", diz o vigilante. A frase de conscientização escrita no muro foi bem absorvida pelo tal vigia, que vai lavar sua caixa d'água com mais freqüência.
Muro na moda
No número 1706 da estrada Luiz de Lemos, funciona há oito anos o ferro-velho do comerciante Paulo Gomes, 50 anos. "Não conhecia essa arte", diz o comerciante. "Vi em um muro no bairro de Cosmorama e gostei, fiquei com vontade de fazer no meu também."
Empolgado com o grafite no muro do ferro-velho, Paulo Gomes gostaria de convidar a crew de Dante para pintar o muro de sua casa e de um outro comércio que tem, ambos no bairro de Andrade de Araújo. "Gostaria de grafitar meu bar e minha casa também, mas nenhum dos dois é meu", diz ele. O proprietário do ferro-velho acha que o muro do seu negócio vai "ficar na moda".
No muro grafitado, a frase “A caixa d’água lá em casa é limpa a cada 6 meses. E a sua?” é um apelo a um só tempo preocupado com o meio ambiente e com a saúde da população. "Nunca tinha visto grafite por aqui, mas agora vou até limpar minha caixa d’água", diz Joaz José dos Santos, 28 anos, morador do bairro desde os dez anos.
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
Premiação surpresa
Por Tatiana Sant’Anna, Breno Alves Marques e Yuri Francisco de Oliveira
Fotos de Viviane Menezes
“Sou eu mesmo?”, pergunta Fabiana Góes de Assis, 18 anos, que está cursando o terceiro ano do Ensino Médio. Ela não acreditou que havia ganhado a máquina digital, o prêmio mais cobiçado da gincana social "Minha rua tem história". “Nem esperava. Fiquei confusa porque tem duas Fabianas na minha turma”, conta a ganhadora, que, para receber a máquina digital, teve que ir em casa buscar a identidade.
Na hora da premiação, todos os jovens que compareceram às 14:00 hs, na estrada Luiz de Lemos, estavam ansiosos. Alguns jovens estavam muito confiantes. “Acho que vou ganhar", dizia Ney Cláudio, 20 anos. "Passei uma semana pensando no tema da redação. Não sei se arrebentei, mas acho que vou ganhar!" Esse não era o caso de sua colega Milene Stenkofp, 19 anos. "Parei para pensar uns quatro dias antes para saber o que ia escrever, o que eu ia falar... Por isso, eu não sei se vou ganhar a câmera."
Fabiana fez a sua redação na hora de entregá-la: "Fiz em cima da hora. Tinha feito uma redação totalmente diferente da que eles tinham pedido, sem as palavras MP4 e Nova Iguaçu. Aí tive que fazer outra redação em cima da hora. Fui pensando e escrevendo. Não me lembro de nada que escrevi." Além de ter escrito o texto "em cima da perna", Fabiana não tem muito intimidade com a língua. "Na escola, de todas as matérias, sou pior em português."
O nome de Fabiana foi o terceiro a ser pronunciado na premiação, pois as regras da gincana social eliminavam as pessoas que faltavam no dia da premiação. Fabiana, que estava de braços cruzados, continuou na mesma posição. A única coisa que fez, e a pedido dos colegas, foi dar uma singelo grito. "Eh! Ganhei!"
Alguns amigos estranharam sua timidez. "Se fosse eu, já tinha me jogado no chão, rolando de alegria e gritando!", reclamou uma de suas amigas. Fabiana, no entanto, nega que seja uma menina tímida. "Pulei em casa, aqui não." E não demorou muito para ela dizer quais eram os planos com a sua nova câmera: "Por enquanto, nada profissional. Vou tirar bastante foto para colocar no meu orkut."
A jovem se inscreveu no "Minha rua tem história" por causa do curso que estava sendo disponibilizado, acreditando que ele vitaminaria seu currículo. “Só tenho um curso básico de informática para colocar no currículo, que era um curso disponibilizado pelo governo. Aprendi bastante.” Ela escolheu o curso de administração, que no seu entender vai facilitar sua entrada em lojas.
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
Riscos ensolarados
50 jovens
Por Tatiana Sant'Anna, Breno Alves Marques e Yuri Francisco de Oliveira
Fotos: Viviane Menezes
Luiz de Lemos 40° Graus. Num dia totalmente ensolarado e encarando uma temperatura altíssima, cerca de 50 jovens de Luiz de Lemos não desanimaram e formaram um mutirão para participar da oficina de grafite da gincana social "Minha rua tem história". O encontro foi em frente à Escola Municipal Luiz de Lemos, às 14h. Escondidos embaixo de marquises, telhas ou na copas de árvore, eles jovens se amontoavam em busca de qualquer sombra. No entanto, nenhum deles fazia a menor idéia do que ia acontecer. "Acho que é uma reunião para informar quando o curso retorna", diz uma das jovens.
Todos se surpreenderam quando o grafiteiro Dante começou a falar: "Hoje aqui vai ser uma parada bem rápida. É uma oficina criativa. Esse bairro aqui é o que tem mais pessoas. Nós estamos aqui para passarmos umas técnicas de grafite para vocês." O respeitoso silêncio feito em seguida pelos jovens escondia podia ser de surpresa e admiração, mas só depois que Dante pediu uma definição do grafite que percebeu que ele também tinha um quê de ignorância. "O grafite é uma arte", definiu Dante. "É uma cultura de rua".
Spray na mão
Terminada a conversa com os alunos, seguimos para o primeiro muro, Estrada Luiz de Lemos. A dona da casa não estava no momento. Mas ela não saiu de casa para trabalhar sem dar a autorização para a oficina de grafitagem.
No primeiro momento, os tímidos jovens se limitaram a observar a criação das linhas. Um dos primeiros jovens a se aventurar e ajudar a construir a representação no muro foi Ney Cláudio Pacífico, de 20 anos, que atualmente trabalha como mecânico e participa da gincana social.
Ney mora em Luiz de Lemos desde que nasceu: "Gosto de morar aqui", diz. Para ele, o Pro Jovem é algo que vai dar um peso a seu currículo e que é uma qualificação a mais para conseguir um novo emprego. Ele falou que gosta do curso e confessou que a bolsa auxílio ajuda bastante: "O dinheiro ajuda, pois eu trabalho muito e ganho pouco", revela o mecânico, que pretende cursar a faculdade de Educação Física.
Ney nunca tinha feito um grafite, mas não se sentiu intimidado com o spray: "Foi bom pra caramba grafitar. Se tivesse aula por aqui, eu iria fazer", dispara. Ele também disse que já conhecia o grafite e que tem amigos que o fazem. "A surpresa de hoje foi muito legal. Eu não esperava. Pensei que eles iam conversar sobre as alunas, o dia do retorno, aonde iria ter... e essas coisas", fala o rapaz, olhando admirado para o muro que ajudou a pintar.
MA-RA-VI-LHO-SO", diz Jéssica Luiza, de 20 anos, que estava com respingos de tinta no rosto: "Não me grafitei, me grafitaram", afirma Jéssica, aos risos. Mas não foi assim desde o início da oficina. "Pintei pela primeira vez. Minhas mãos tremiam. E você acha que pintar pela primeira vez não fica nervosa não?", ressalta a jovem, que estava admirada com que tinha feito.
Jéssica também contou que já conhecia o grafite e que tem amigos que fazem trabalhos no centro de Nova Iguaçu: "Acho legal esse trabalho. Mas nunca tinha visto isso por aqui", conta a jovem, que mora em Luiz de Lemos há apenas dez meses. Ela não sabia da surpresa da oficina: "Achei que era uma reunião, não sabia disso. Mas adorei a bagunça".
Já Milene Cristina Stenkofp, de 19 anos, resolveu apenas ficar observando: "Eu não gosto de desenhar, mas acho bacana quem sabe". Ela não sabia da surpresa feita pelo projeto, mas adorou a oficina: "Não vou me arriscar no grafite, se não vou estragar o desenho".
quarta-feira, 15 de outubro de 2008
Grafite a 42 graus
Por Alcyr Cavalcanti
Sob um sol escaldante de mais de quarenta graus, a equipe do Dante, a BXD Crew, fez sua intervenção em Vila de Cava. Desde o início da manhã, Dante e Rufos começaram a colorir os muros. Foi um acontecimento social, um verdadeiro happening ao calor tropical. "A caixa d’água lá de casa é limpada a cada 6 meses. E na sua ?" era o mote da grafitagem da terça feira.
Harém
Desde cedo, um grupo de jovens embaixo de um sol escaldante, “de fritar ovo no asfalto”- se tivesse asfalto- se acotovelavam para ver o passo a passo de como se faz a verdadeira arte das ruas. O interesse era tipicamente feminino. Nove meninas, e apenas um varão, Rafael, se sentindo um sheik do petróleo em meio a seu harém. Rafael de Jesus Silva tem 18 anos. Veio porque duas colegas lhe convenceram que seria um “programão”. “Estudo no Colégio Estadual Juarez Távora e moro na rua Cristiano Salema, aqui pertinho. Vim ver como é que é. Tem canteiro de obras em tudo quanto é lado, sobra muito pouca diversão.”
A praça principal e seu entorno estão com máquinas e operários trabalhando sem parar. Rafael observa a movimentação interessado em tudo, principalmente nas jovens que fazem uma algazarra, excitadas com a profusão de cores. Rafael reclama de poucas opções nos finais de semana. Ele e seus amigos se reuniam na praça principal, agora um imenso canteiro de obras. Estão torcendo para tudo ficar pronto logo. Já pensam em programas para o dia da inauguração. Rafael gosta de todo o tipo de música: rock, funk, pagode. O que não curte muito é forró, mas dependendo da companhia, quem sabe.
Jociane Viana Melo, 18 anos, e Joyce Viana Melo, 20 anos, agora Antunes, nome de seu marido Leandro dos Reis Antunes, são irmãs e muito companheiras. Joyce tem um filho, Juan Pablo, de um ano, que deixou em casa devido ao forte calor.
Natália da Silva Barbosa, 24 anos, insiste para que Rufos, “o braço” do Dante, desenhe um coração. Romântica, diz que muitas vezes sonha com corações, um sonho recorrente. Ela afirma que é somente um desenho, não sendo dedicado a ninguém. Freud talvez explique.
Lucilene da Silva Barbosa tem 25 anos, é casada e não tem filhos. Assiste a tudo fazendo muitas perguntas, curiosa para ver como se faz o grafite. Disse ter vindo bem cedo, mas foi até em casa para apanhar uma toalha molhada para colocar na cabeça, protegendo-a do sol.
Aceito pedido de casamento, com algumas condições
Marta Oliveira da Silva, 21 anos, segura carinhosamente um tubo de spray vazio, como uma lembrança. Diz que vai guardar em seu quarto, como troféu. Pede a Rufos que detalhe alguns traços, e faz uma chuva de perguntas. Vestida ao estilo da música de Gil, "Punk da periferia", é a mais comunicativa. É uma líder natural, brinca com o Adair, nosso “caçador de imagens”, e diz quando perguntada por esse “velho repórter”, que aceitaria dele até um pedido de casamento, desde que algumas condições ficassem estabelecidas. Fala com emoção e orgulho de seu velho pai, um patriarca que teve 32 filhos, resultado de seus cinco casamentos, opinião contrária à de alguns governantes que pregam a limitação de filhos, mas somente em áreas de exclusão social, para que, segundo eles “marginais não sejam fabricados”.
O calor vai aumentando, de 32 graus, para 35 , para 40, agora todos procurando uma sombra como proteção. Dante explica pacientemente como deve ser conduzido o processo. “Tem de fechar o traço, chega mais perto e aperta de uma vez só, senão vai esfumaçar, não pode parar, se parar tá mal.”
Josimar do Nascimento Jacinto, 20 anos, tem o nome em homenagem ao lateral direito do Botafogo, Flamengo e principalmente da seleção brasileira, da época dos verdadeiros craques. Agora o nome craque é associado a uma outra cultura, sempre perversa, que deixa fortes marcas. Josimar é o mais interessado, segue religiosamente as instruções dos mestres.
O primeiro muro está concluído, a caravana segue sob o sol de 45 graus para a próxima tarefa, o segundo muro. Uma placa de trânsito chama atenção: “Atenção: área urbana, reduza a velocidade”. Ela é temporariamente desnecessária, pois a área está interditada para veículos.
Segundo muro concluído, seguem todos rapidamente para a única marquise próxima, para ouvir alguns lembretes transmitidos pela Verônica. Esperam atentos sob a sombra do comitê eleitoral do candidato número 20654, Cacau, que não se elegeu. A maior parte dos eleitores locais votou em candidatos que apoiaram o prefeito reeleito.
Fátima Lima e Gilcéia Machado, da equipe do SEMCID, acompanham a intervenção anotando tudo criteriosamente . São da equipe social responsável por Vila de Cava e Estrada do Iguaçu, em programa apoiado pela Caixa Econômica Federal.
É hora do “rango”, trabalho concluído em Vila de Cava, luzes e cores foram acrescentadas, trabalho temporariamente concluído. Operários terminam seu turno, procurando um lugar para refazer suas energias, renovar a perda de calorias. William, nosso dedicado jovem repórter, não perde um só detalhe.
Desafiando o calor senegalesco sem sombra e sem água fresca, um pregador solitário montado em seu cavalo mecânico. Abdias de Paula Pires tem 36 anos, vem arrebanhando fiéis pregando a salvação aos quatro cantos, para o seu Ministério do Resgate. Ele se diz apenas um obreiro que um dia quem sabe, será talvez recompensado.
A arte chega a Luiz de Lemos
Tatiane Santanna , Breno Marques e Viviane Menezes, jovens repórteres, esperam com ansiedade e muito calor o início da street art em Luiz de Lemos. O bairro é uma imensa homenagem a Luiz de Lemos. Sua via principal e a escola tem seu nome. Um outdoor estrategicamente colocado diz: "A Prefeitura chegou na Luiz de Lemos.” Pelo jeito, chegou para ficar e promover mudanças.
A turma que prepara a base faz a medição ao “jeitinho brasileiro”, improviso que dá certo. Uma fita substitui instrumentos de precisão para deixar as bordas, a moldura, em linha reta. Enquanto espera que seus dois ajudantes terminem a tarefa, Dante dá uma pequena explicação sobre a arte das ruas. Um círculo é formado próximo ao muro do Clube Carambola.
Dois toques
Começa a função. Dante orienta seu discípulo: "Você chega aqui e dá dois toques apenas, sacou? Presta atenção, aí não. No pescoço traços rápidos sem tremer, nem parar. Tem que ter firmeza, direto.”
Tiago Guimarães, tem 23, é estudante e solteiro. Ganha a vida fazendo artesanato em bijuterias, pulseiras, braceletes colares, coleiras, gargantilhas. Diz que vende muito. “A mulherada adora”, diz o jovem com um sorriso aberto. Foi o primeiro a se apresentar para aprender com a turma do Dante. Diz que valeu a pena. Vai dar uns treinos “pela aí”, espera que ninguém reclame. O calor aumenta silenciosamente. Os mais de 30 jovens olham atentamente para as figuras e cores que vão surgindo aos poucos.
Jéssica Luiza Azevedo Guedes executa seus traços sob a orientação de Rufos. Ela está sempre colaborando com as diferentes etapas do projeto. Quando do encerramento da gincana social "Minha rua tem história", na Vila Olímpica, foi a principal colaboradora do oficineiro Flavio. Está sempre a postos, desde que solicitada.
“Vim aqui porque gosto de aprender. Sou curiosa por natureza", diz a bela jovem, atenta aos traços feitos sob o olhar vigilante de Rufos.
Estamos na Via principal. Ônibus e vans passam sem parar, em várias direções. O grupo vai se dispersando A realidade reafirma o outdoor : “A prefeitura chegou na Luiz de Lemos.”
A contribuição de seu Florentino
Por William Faria da Costa
Em mais um importante momento da gincana social "Minha rua tem história", jovens de Vila de Cava se reuniram na rua Muniz Barreto, principal rua do bairro, em frente à praça principal. Ficaram surpresos, quando descobriram que dessa vez a oficina seria de grafite. Dante e sua crew passavam um pouco dos seus para os jovens, que, refeitos da surpresa inicial, se identificaram totalmente quando o grafiteiro explicou que sua arte é um dos elementos básicos da cultura Hip Hop.
Os primeiros a se aproximar foram Josimar e Géferson. O primeiro, cujo nome completo é Josimar do Nascimento, tem 20 anos e mora na rua São João, em Vila de Cava. Ele, que não conhecia a arte das ruas, ficou empolgado com a descoberta. “É a maior viagem", disse Josimar, cujo nome foi inspirado no ex-lateral-direito da Seleção Brasileira. "Tô conhecendo um trabalho diferente, eu nunca tinha visto ninguém fazendo isto. É muito mais maneiro do que eu imaginava."
Desvirginamento
Quem também interagiu bastante, se jogando de corpo e alma, foi Géferson Santana, que tem 18 anos e mora na rua Canavial, em Vila de Cava. Ele também não tinha nenhuma experiência em grafitagem, nem jamais vira alguém desenhando. Seu desvirginamento no mundo Hip Hop foi bem mais divertido do que pensava. “Vale a pena conhecer outras culturas”, disse. “O grafite despertou o meu interesse", acrescentou, animado. "Pretendo estudar e aprender mais.”
Contribuição com o projeto
O proprietário do terreno de um dos dois muros grafitados pela crew de Dante se chama Florentino Moura Bento, que tem 56 anos e nasceu em Itaperuna, mas mora em Vila de Cava há 40 anos. Tem três filhos com Elisabete Rodrigues Bento, com quem está casado há 36 anos. Ele acredita que, com as obras do PAC, o escoamento da água da chuva vai melhorar bastante. "Antes enchia a praça e algumas ruas vizinhas", disse. "A lama deixava isso aqui um atoleiro só."
Seu Florentino tem acompanhado com entusiasmo a evolução das obras, que, como faz questão de dizer, “foram muito bem feitas”. "Por isso eu acho que a rua Muniz Barreto não vai mais se encher de lama", disse, aliviado. Dono de um ferro-velho, ele cedeu o muro de sua casa para a grafitagem quando soube do teor da mensagem: “A caixa d’água lá de casa é limpada a cada seis meses. E na sua?”, escreveram Dante e seus parceiros. "É uma mensagem positiva", disse o comerciante. “Assim eu também posso contribuir com o projeto."
Guerra religiosa na Prata
Por Anderson Chagas
Nem o calor escaldante da primavera iguaçuana consegue amolecer a equipe encarregada de executar as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no bairro da Prata, em Nova Iguaçu. Com a missão de melhorar as redes de esgoto e de águas pluviais da região, os operários se dividiram em dois grupos para acelerar as obras na Av. José Mariano Passos, principal via de ligação entre os municípios de Nova Iguaçu e Belford Roxo. Trabalhando nas duas extremidades da avenida, os operários já se tornaram velhos conhecidos de quem mora no trecho que vai do Caminho do Manhoso até a Av. Plínio Casado.
Neste mesmo trecho, a equipe de filmagem da gincana social "Minha rua tem história" suava um bocado para encontrar a casa de Ricardo Mariano, integrante do Pro-Jovem que contou a história de uma vizinha bastante conhecida no bairro. Segundo as más línguas, a tal vizinha costumava usar poderes sobrenaturais para resolver seus desafetos. De olho nessa história, a equipe de filmagem teve que comer muita poeira para encontrar Ricardo e registrar tudo isso.
Cinco anos
Logo na entrada, a equipe teve que desviar de dois montes: um de areia clara e o outro de areia escura. Eles estavam sendo usados na obra de ampliação de uma das duas casas que dividem o mesmo terreno com a de Ricardo Mariano. A todo vapor, Alexandre Carvalho, o Xandão, enchia um balde com a areia enquanto seu amigo, o pedreiro Carlos Henrique, o Didio, puxava o material para concluir o imóvel, que já se encontra com três andares. “O segundo andar, que fica sobre a garagem da casa, eu transformei em um depósito para guardar meus materiais de trabalho. Faço ornamentações para festas infantis”, revelou Xandão, todo orgulhoso por ter erguido tudo aquilo com seu próprio suor. “Essa obra já dura uns cinco anos. Ela foi toda feita por nós dois”, disse, apontando para o amigo e para si.
Enquanto Xandão dava boas-vindas à equipe de filmagem, o diretor de gravação, Gregório Mariz, analisava a locação, procurando o melhor fundo para enquadrar Ricardo Mariano. Depois de pensar bastante, o diretor decidiu que a varanda da casa seria o lugar ideal para que a cinegrafista Camila Marques posicionasse sua câmera. A intenção desta terceira etapa da gincana social é filmar as melhores histórias contadas na segunda fase da gincana. Também estão dando depoimentos antigos moradores de cada bairro e o técnico social das obras do PAC.
Quem será contra nós?
Dessa vez, a história a ser gravada era justamente a da vizinha do Ricardo. Ele contou esse fato durante as oficinas do Pro Jovem na E. M. Menino de Deus, que também fica no bairro da Prata. Preparado para gravar, Ricardo sentou-se em uma cadeira de plástico que estava na varanda, bem em frente à porta de acesso para a sala. A porta, de ferro com janelas de vidro, estava coberta de adesivos com dizeres evangélicos:
“Deus dê saúde aos nossos inimigos para que eles possam assistir a minha vitória.”
“Se Deus é por nós, quem será contra nós?”
“Sou feliz por ser evangélico.”
“Tá amarrado, olho grande.”
“Deus abençoe este lugar.”
Diante desse quadro, a cinegrafista Camila enquadrou o jovem e fez os últimos ajustes para iniciar a gravação.
Barulho da pá
Convicto de que estava tudo certo para a gravação, o diretor pediu silêncio para que nenhum ruído interferisse no depoimento do jovem e ordenou o início da filmagem: “Silêncio, por favor. Gravando!”
Quase ao mesmo tempo, o técnico de áudio, Luis Eduardo, percebeu que algum barulho estranho estava sendo captado pelo equipamento. Era o Xandão. Ele não sabia que o barulho da pá, mesmo distante, atrapalharia a gravação da história. Ao perceber a situação, Xandão parou imediatamente a obra. “Galera, me desculpa. Podem ficar tranqüilos aí que eu paro a obra. Relaxa!” Depois de resolver o problema do barulho, a equipe pôde começar a gravação. Ricardo Mariano aguardava pacientemente o ‘ok’ do diretor para iniciar a história tão aguardada. “Silêncio. Gravando!”
Após a deixa do diretor, Ricardo iniciou seu depoimento falando um pouco sobre a sua experiência no "Minha rua tem história". Segundo ele, o projeto ‘puxa’ o jovem para participar das decisões importantes para a convivência. “Acabamos discutindo os problemas do bairro. Assim as pessoas percebem que o jovem tem algo a dizer”, explicou.
Pega no pesado
Ricardo Mariano não é um jovem comum. Adora basquete, torce pelo Chicago Bull e idolatra o ex-astro das quadras Michael Jordan. Ele abriu seu depoimento dizendo que gosta muito de encontrar os amigos para conversar sobre programas de televisão e outros assuntos. Entretanto, Ricardo fez um comentário que foge um pouco da mentalidade de quem atravessa esse estágio da juventude. “Admiro as pessoas que pegam no pesado. Admiro os pedreiros. São como soldados das forças armadas”, filosofou o jovem, que deseja seguir a carreira de bombeiro. “Gosto muito de ajudar as pessoas”, completou.
Olhando para a lente da câmera, Ricardo começou a contar a história que intrigou os jovens da Jacutinga e da Prata. Com riqueza de detalhes, Ricardo contou a história de uma vizinha que mexe com magia negra. Tudo começou quando a árvore plantada na calçada da tal vizinha caiu sobre o carro de outro morador da rua. Para muita gente do bairro, a árvore não caiu acidentalmente. Muitas pessoas acreditam que o episódio se deve a uma feitiçaria da vizinha.
Ricardo disse que o dono do carro discutia com freqüência com a tal vizinha. “Ele sempre se queixava das crianças que viviam na casa da vizinha, por causa das freqüentes boladas que atingiam o carro dele”, comentou. Dando toda pinta de que também acredita nos poderes da vizinha, Ricardo finalizou a história em tom de suspense. “Em um dia se sol, o dono do carro foi aproveitar a sobrinha da árvore da vizinha. Se deu mal, pois a dita cuja caiu, sem dó nem piedade, sobre o teto do automóvel.”
Na base do boca-a-boca, essa história se perpetua, já há algum tempo, no bairro da Prata. Se é verdade ou mentira, ninguém sabe dizer.
segunda-feira, 13 de outubro de 2008
Dia de limpeza
ruas da Palhada
Por Flávia Ferreira
Em meio à lama e ao calor, um grupo de quatro grafiteiros, liderados por David Nogueira, o Dante, dava uma cor aos muros da Palhada, na última sexta-feira . Era um mar de lama tomando conta das ruas. Dava até para fazer um surfe no imenso lamaçal. As ruas contrastavam com o asfalto lisinho que as obras do PAC trouxeram para o bairro.
Os moradores, grande parte crianças, ficavam maravilhados com os desenhos que marcaram a terceira fase do projeto 'Minha Rua tem História'. "Achei lindo, tem gente que faz pichações e coisas erradas, mas o grafite é uma coisa boa", conta a estudante Camila Salvador, de 14 anos. A estudante deseja aprender a arte urbana, mas ainda não encontrou uma oficina para se tornar mestre na street art.
Serviço completo
Os mais animados com as pinturas eram os donos dos muros, dando a maior força para a crew de Dante. Queriam suas casas cheias de cor. "Eles podiam fazer o serviço completo, emboçar, pintar e grafitar todo o muro de minha casa", diz Inácio Ferreira Monteiro, 55 anos. Esse senhor não é o dono do muro da Rua Santa Isabel, mas teve poderes para autorizar a grafitagem.
Mas não foi só Inácio que se empolgou com a idéia. Áurea Maria Vargas, 44 anos, teve outro apelo para liberar seu muro. "Temos que abrir um espaço para a cultura, porque tudo aqui é feio", diz ela, maravilhada com o trabalho. "Então, o que vier para melhorar e tornar o bairro mais criativo é bom."
O grafite não era novidade na Palhada. Muitas pessoas já conheciam a arte das ruas, mesmo nunca tendo praticado. Cristian Diego de Oliveira, um auxiliar de serviços gerais de 18 anos, tem bastante intimidade com os desenhos. Cristian conta que seu pai é um veterano pichador e trocou o jet preto e as assinaturas noturnas pelo desenho. "Meu pai desenha muito, mas nunca quis fazer grafite, mesmo gostando do trabalho", diz Cristian. Seu pai curte tanto que em seu quarto há um desenho do Batman grafitado na parede, a assinatura do grafiteiro Welder Short e desenhos de sua própria autoria.
Novo olhar
Contudo, se não fosse pelo motorista de "lotada" Leandro Godinho, 22 anos, nada disso teria acontecido. "Por conhecer o trabalho que eles fizeram na Via Light, pedi para a comunidade liberar seu muro para o grafite", lembra Leandro. Segundo ele, isso daria uma nova cara para o esquecido bairro. "Isso dá um novo visual ao local, que não tem nada", conta ele. "Assim as pessoas se interessam e têm um novo olhar do lugar."
Para convencer a comunidade, Leandro tirou algumas fotos dos grafites da Via Light e mostrou para os moradores, que passaram a se interessar pelo trabalho. Morador da Rua Regina Ribeiro, Leandro pegou sua kombi azul anil e levou os grafiteiros e seu material para outras ruas, bem mais distantes.
A simplicidade do local era mostrada por seus moradores, que ficavam com suas roupas rasgadas e sujas no portão de suas casas. As crianças brincavam no asfalto vermelho das ruas grafitadas, dando estrelinhas, arrastando carrinhos pela lama enquanto os pais arrumavam suas casas. Era sexta-feira, dia de limpeza.
Brincadeira contemporânea
Por Alcyr Cavalcanti
O tempo não ajudava, transformando as ruas da Palhada em um mar de lama. Contrariando as previsões, lá estava desde cedo a equipe de Dante para colorir as ruas. Em vez de lama, muita cor, para animar a festa. Operários e suas máquinas trabalhavam incessantemente para tornar habitável as ruas de Nova Iguaçu. As obras não são eleitoreiras, o segundo mandato está garantido. É o cumprimento de uma promessa. O ditado popular foi seguido à risca: “promessas são feitas, para serem pagas”.
Dante e a turma da BXD Crew começaram cedo. Os preparativos foram “ao cantar do galo” de uma sexta-feira do mês de outubro. David Nogueira da Rocha, o Dante, um carioca de 28 anos, é o coordenador do projeto. Para seus grafiteiros, é “o chefe da gangue”. Dante é o verdadeiro artista das ruas. Na conceituação de Gramsci, um “intelectual orgânico”, acreditando promover senão mudanças sociais, pelo menos mudanças no olhar a Baixada Fluminense. Mudar a lama, o caos em algo habitável, onde sintam prazer em morar e transitar. Para ele, “a arte pode ajudar na transformação”.
A verdadeira escola é a rua
Da mesma forma que os neo-realistas italianos, que filmavam nas ruas destruídas de uma Itália do pós-guerra, grande parte da arte atual é feita nas ruas. “Não cursei nenhuma escola de Belas Artes, faço grafite desde 1999. Gostava de desenhar, de fazer uns rabiscos desde pequeno. Meu primeiro contato foi com a pichação. Já fui um pichador de muros e paredes.” A arte das ruas pode em algumas ocasiões trazer conseqüências inesperadas. Dante foi levado à delegacia de Mesquita em 2003. Estava pichando muros, e não sabia que para fazer arte, é preciso uma autorização. Mas o delegado foi compreensivo, Dante foi logo liberado, depois de algumas explicações. Tinha consciência de não ter cometido nenhum delito.
Dante sabe estar fazendo uma arte de transformação, nunca teve vontade de expor em galerias de arte. Para ele é uma arte cristalizada, de elite, onde poucos podem ver e analisar. Já a street art, como a grafitagem é chamada desde algum tempo, foi finalmente reconhecida através da obra de Jean-Michel Basquiat, sendo apreciada por milhões. De simples pichador de muros, Basquiat foi elevado à categoria de expoente do neo-expressionismo, ícone da cultura contemporânea.
O grafite deve ser diferenciado da simples pichação, é muito mais complexo, e aproveita as ruas e seus muros para criar uma linguagem intencional de interferência. Na Palhada, a inscrição em seus muros “Lá em casa brincamos de não deixar a torneira aberta. E na sua?” evidencia uma preocupação em evitar o desperdício de um líquido tão precioso, que começa a faltar em boa parte do planeta. Uma boa parte das reservas hídricas está no Brasil, sendo motivo para cobiça de muitas nações.
A turma do Dante
Marcos Valério da Anunciação, o Marquinho, carioca de 28 anos, morador de Rocha Miranda, faz parte da turma. Veio rapidinho a chamado de Dante para “dar uma força”. Tem uma vida intensa, está sempre correndo de lá pra cá. De porte avantajado, trabalha na Gávea como segurança em um condomínio. Faz desenho industrial na Uni-Rio, no Rio Comprido. “Faço prevenção de segurança, não uso arma nem gosto de bater em ninguém, mas sei me defender quando for necessário. Faço um tipo Guarda Belo, um segurança da paz. Prezo a vida dos outros, tenho uma mulher que adoro, Alessandra, e um enteado, Vitor, de oito anos, que trato como filho. Ele adora desenhar e está aprendendo grafite comigo”, diz Marquinho com um sorriso. Diz ter sido influenciado por You 2, grafiteiro da Rocinha que morreu vitima de bala perdida em tiroteio na favela. Aprecia também o trabalho de Rollei e Lide, grafiteiros da Rocinha, já tendo feito intervenções com a dupla. Marquinho não se limita à arte das ruas, faz também pintura em tela acrílica.
A braçada deve ser rápida. Tá ligado?
Os muros são trabalhados em uma extensão variável, geralmente entre 10m e 14m de largura, por 2 m por 2,30m de altura, próximo a um modelo padrão. Os muros são preparados com tinta amarela como fundo, assemelhando-se a uma tela pronta para ser pintada. A arte é aplicada em dezenas de sprays. Às vezes são usados bicos. A braçada deve ser rápida, deve estar a uma distância do muro de um tubo de spray ( 20 cm ) para o jato sair de maneira eficaz, e não ser levado pelo vento. Os artistas devem usar máscaras para proteção. O alto preço afugenta os grafiteiros, que trabalham ao natural, se arriscando a ter doenças respiratórias, pelos resíduos de metal contidos na tinta. Pilhas de sprays usados ficam acumulados em um montinho. A arte da rua também consome.
Moradores passam e param para admirar a obra. É um happening performático ao ar livre. Isso nunca aconteceu, pelo menos como um projeto elaborado. Os grafiteiros trabalham aceleradamente, é arte em movimento. Na rua Santa Isabel, no muro do 435, fazem seu ofício sob a proteção e a vigilância de Jura, liderança local, candidato número 44123 que tudo observa através de uma propaganda eleitoral um pouco acima, presa em um galho de árvore.
Reginaldo Belarmino tem 28 anos e é solteiro. Está desempregado, em uma ociosidade forçada, como grande parte dos jovens em nosso país. Para ele, foi um “programão” num lugar de poucos atrativos, principalmente para quem não tem dinheiro para a diversão. “Fiz a base de tinta do muro, tenho muito orgulho em colaborar. Nasci em Nova Iguaçu, aqui mesmo na rua Santa Isabel. Espero que as obras fiquem logo prontas, só assim acaba esse lamaçal”, diz. Reginaldo acompanha a equipe atentamente até o final da rua, ao término da intervenção.
Mas nem tudo corre conforme o cronograma. Quando a equipe se desloca com todos os apetrechos e dezenas de tubos de tinta para o “mãos à obra”, acontece o inesperado. O muro está preparado conforme o combinado, mas um monte de areia e brita impede a intervenção. Está bloqueando o acesso em quase todo o muro. Rufos tenta fazer os primeiros traços, quase se atola no monte de areia e brita, desiste. Impossível trabalhar. O que fazer?
Plano B
O plano B foi acionado, partiram para outra rua, para a intervenção em outro muro. Desta vez quem começa a arte é Osvaldo Ferreira Neto, o Rufos, 26 anos, morador de Mesquita. Aprendeu na prática, gastando muita tinta e muito spray. Trabalha também com aerografia, usando pistola e compressor. Mas gosta mesmo é de grafitar em 3D, estilo tridimensional. Também tem uma base de aprendizado em desenho e pintura com pincel. Acha que todas as artes procuram transmitir mensagens de seus autores.
Josué Gonçalves tem 22 anos, é o J.C.S, o mais novo do Crew. “Me formei na prática das ruas, a prática traz a perfeição. Aqui no Rio temos muita dificuldade, não é igual a São Paulo, onde o grafite já está reconhecido como arte popular.” Estuda biologia e faz estágio em um laboratório. Sonha em ser biólogo marinho, adaptando a grafitagem ao ensino da biologia.
Meninos e meninos começam a chegar. Olhares curiosos cheios de perguntas. Iasmin Martins Bello, beleza local de 16 anos, mostra intimidade com a arte, o grafite está no sangue. Seu tio Short faz parte do grupo de amigos, e faz questão de mostrar Batman, o Cavaleiro das Trevas emoldurando a parede de seu quarto.
"Tá acabando"
Outro imprevisto, embora previsto. Acaba a tinta, Dante improvisa um som: ”Tá acabando, tá acabando, a tinta tá acabando, olé, olá”. Para ficar mais perfeito (nos trinques) só faltava um som, o hip-hop para acompanhar e inspirar o grupo. Dante tentou o som, mas não conseguiu. Mas não vai desistir, vai unir traços e sons das ruas para ficar ainda melhor.
Mas como tudo acaba em samba, ou futebol, o jeito é fazer uma “roda de bobo”, com a bola dos garotos da rua. Os quatro demonstram habilidade com a pelota. Embaixadas, puxetas, matadas no peito, de voleio, novos Robinhos estão aparecendo. Dante se destaca no domínio da bola. A roda é formada pelos principais times do Rio, com leve predomínio de vascaínos. No auge da animação, toque de recolher. A bola cai num poço de lama, para decepção geral, “cortando o barato da rapaziada”.
A um canto, apreciando a roda, Juarez Sebastião e sua fiel companheira, a égua Baiana, fazem pequena pausa a pedido da reportagem. Juarez carrega em sua carroça material de construção para fazer um puxadinho. Baiana se mostra inquieta, tem horários e obrigações a cumprir. Juarez pede licença e continua a cavalgada.
Acabamento
Vem chegando para acompanhar em outras ruas uma dupla de jovens do projeto, devidamente vestidas com a camisa do "Minha rua tem história". Perguntam pelo grupo e dizem que adoram grafitar. Liliane Cardoso Berdião tem 19 anos e terminou o segundo grau. Entrou no projeto para se especializar em informática, veio junto com Ana Paula dos Santos, que tem 22 anos e é mãe de dois filhos. Para elas, a luta é sempre diária, e o projeto veio na hora certa.
O jogo da bola veio como aperitivo. Estamos no meio da tarde. É hora de afiar os dentes e correr para o almoço, renovar as energias. O acabamento, as bordas ficam pra depois. O estômago fala mais alto. Está na hora do PF, bem preparado na pensão da estrada de Madureira.
Novas cores se instalam em Nova Iguaçu através da arte popular da BXD CREW, o grupo do Dante. Novas palavras se acrescentam ao vocabulário iguaçuano: crew, tags, spot, 3D. O trabalho do grupo não é assinado, por ser um trabalho coletivo. Para Dante, “o grupo vale mais que o indivíduo”, frase que representa o espírito solidário, para substituir o espírito individualista do cada um por si. Novas cores, novos tempos vem chegando a Nova Iguaçu.
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
E o prêmio vai para Cacuia
Por: Tatiana Sant'Anna e Pedro Henrique Gomes
Fotos: Viviane Menezes
"Não achei que iria ganhar a câmera, mas ganhei e está bom", diz Gabriela Aparecida, de 18 anos, aluna da turma C, ainda surpresa com a premiação. Para receber a tão almejada máquina fotográfica digital, foi proposto aos alunos que fizessem uma redação de sete linhas, na qual deveria ter, obrigatoriamente, as palavras Nova Iguaçu e MP4. Quando falamos com ela, Gabriela ainda estava emocionada com o prêmio.
A jovem não imaginou que sua redação fosse se destacar. "Não esperava, mas acreditava que viesse para a turma C, do Cacuia", disse. Gabriela contou também que foi muito bom receber o prêmio. "Foi muito importante para mim."
A jovem revelou que fez o texto com uma amiga. "Minha amiga e eu ficamos pensando em como poderíamos escrever sobre o bairro. Escrevemos muito, desenvolvemos várias idéias. O texto ficou enorme. Aí fomos diminuindo até chegar a uma redação de sete linhas", revelou.
Valor dos moradores
Gabriela ganhou muito mais que a máquina digital da gincana social. "Todo mundo fala que o Cacuia é um morro, onde só mora pobre e que não tem nada. O bairro vai muito além de casas de shows, pizzarias e cinemas. Os moradores do Cacuia valem muito mais que isso", afirmou.
Gabriela já tem planos para a máquina: "Está nos meus planos tirar fotos dos meus colegas, porque todos eles fizeram parte. Quero mostrar que eles sempre estiveram juntos comigo". Gabriela pretende estudar bastante. "Quero terminar o curso e arrumar um bom emprego”, planeja. “Preciso ajudar a minha família."
Despedida com chave de ouro
Por Tatiana Sant’Anna, Caroline de Alcântara, Viviane Menezes, Daniella Vieira dos Santos, Sheila Loureiro, Thamires Folly, Miriam Nascimento, Ana Paula de Oliveira, Marcus Vinícius, Pedro Henrique Gomes e Isabel Cristina
Fotos: Viviane Menezes
Nada de chororô ou tristeza no encerramento do projeto "Minha rua tem história", na Vila Olímpica, em Nova Iguaçu. Cacuia! Cacuia! Todos os 168 alunos gritando e defendendo o bairro onde moram. Mas para essa alegria toda se reunir, demorou um pouco.
Um imprevisto atrapalhou a chegada dos jovens na Vila Olímpica, que passaram de 20 a 40 minutos à espera de um ônibus. Alguns se desencontraram de seus amigos, o trânsito estava infernal: “Cheguei no ponto de ônibus com 20 minutos de atraso. Pensei que eles tivessem ido embora, pois marcamos às 15h no centro do Cacuia e quando cheguei, não vi mais ninguém”, diz Rafael Dantas.
Aos poucos, os jovens foram chegando, em grupos de três, seis pessoas. Animados, iam logo gritando: “Cacuia! Cacuia!” O grito facilitava o reconhecimento da equipe do bairro.
Estavam todos nervosos, inclusive a assistente de oficineira Josédina: “Cadê o Cacuia?”, perguntava preocupada, pois só havia uns quinze alunos representando o bairro na quadra.
A solução encontrada foi ficar um aluno no portão de entrada. Até os jovens repórteres se prontificaram a ajudar, como“guias turísticos” para os atrasadinhos. O último grupo, composto por 20 jovens, chegava com euforia total. Como os demais atrasados, eles colocaram a conta da demora no ônibus.
Apesar do estresse da chegada, a animação não passou. Todos tinham um só sentimento: “defender seu bairro!” Era uma satisfação imensa reencontrar o seu colega na porta de entrada da Vila Olímpica e saber que o importante não era mais o ônibus, mas sim, saborear a vitória com a sua turma, ganhando ou não os prêmios tão cobiçados.
Enfeitados pelos adereços escolhidos, os jovens pulavam e gritavam. Às 15h40, a festa já estava completa, estando todos os 168 alunos na quadra, que juntos gritavam: “Há! Sai da frente! Sai que o Cacuia é chapa quente!” Tinha até animador para inventar novas coreografias..
O batuque era o som da banda. Auxiliados por instrumentos como tambor, pandeiro, corneta e buzina, os jovens do Cacuia formavam o enredo da Minha Rua tem História.
Torcida organizada
A festa do Cacuia pode até ter demorado a começar, porém, depois de todo o atraso, a galera se esbaldou e se soltou na quadra da Vila Olímpica. Gritos, batuques, buzinadas, coreografias e, claro, muitas risadas dos 168 jovens que formavam umas das equipes mais animadas na festa de encerramento: “É uma satisfação estar aqui! É muita diversão e muita gritaria. Estou gostando muito”, diz Aline Bárbara, da turma C.
Apesar do atraso, uma das maiores preocupações dos alunos, Bruna Silva, da turma C, disse que ficou tranqüila: “Estava tranqüila, pois, se ficasse nervosa, iria passar nervosismo para a galera que ia se apresentar. Ficamos 45 minutos no ponto de ônibus, mas agora é só torcer pela minha turma. Só vou ficar feliz se eu ganhar! Aí vou ficar com certeza.”
Na apresentação do bairro de Cabuçu, Cacuia não se intimidou e pulou muito: “Está quente aqui! Tá show!”, diz Rafael Dantas, da turma A, que, junto com os amigos André, Luiz Henrique, Adriano e Alan, montavam o grupo da percussão.
Porém os sentimentos se confundiam: A angústia pela espera do resultado. A alegria da conquista. E a tristeza de não ter tido o projeto selecionado. Mas no geral, todos tinham a certeza de que todos ali presentes eram vencedores pelo simples fato de estarem ali fazendo parte da construção da história de Nova Iguaçu.
Compartilhando alegrias
Mesmo com a vitória do projeto do Bairro Jardim Pernambuco, o pessoal do Cacuia não se abateu: “Não estou triste. Tristeza não! Eu estou muito feliz por estar aqui!”, diz Gislene, da turma D. Os alunos continuaram nos seus batuques, formado com os outros bairros, uma grande festa. Mas o Cacuia não ficou de fora dessa premiação.
Um dos prêmios mais cobiçados, uma câmera fotográfica, foi para Gabriela Aparecida, da turma C do Bairro Cacuia. Com 18 anos, Gabriela não esperava ganhar o prêmio e ficou surpresa ao recebê-lo.
E as premiações não pararam por aí. A oficineira Sibila Pessoa ficou felicíssima com a premiação de Jardim Pernambuco, pois seu esposo é oficineiro do bairro vencedor: “Maridão ganhou e eu estou muito feliz também”, disse Sibila, pulando de alegria.
Os prêmios continuam sendo distribuídos. Mas não foi dessa vez que o nosso amigo Luiz Henrique, o Brother, conquistou mais um Mp4 (ele já havia ganho dois) Mas isso não o deixou triste: “Estou feliz por estar aqui”, disse o rapaz com um leve sorriso.