Miriam Vieira da Silva deu depoimento para a equipe de filmagem da nossa gincana social
A líder comunitária Miriam Vieira da Silva se sensibilizou com o drama dos pais de família que a procuraram em 1996, propondo a invasão de um terreno pantanoso na Cobrex, de propriedade da Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu. Mas a então secretária da associação de moradores do bairro impôs uma condição para participar da luta daqueles homens que sacrificavam a alimentação dos filhos para manter em dia o pagamento do aluguel. "Nós vamos legalizar", afirmou a recepcionista da maternidade Mariana Bulhões, na Posse.
Começava aí uma batalha com tinturas épicas, que faria dela uma presidente quase vitalícia da associação de moradores e acrescentariam ao bairro sete ruas e duas travessas cujos nomes foram escolhidos pelos cerca de mil moradores em eleição direta. Corria o governo do prefeito Altamir Gomes, e a líder comunitária teve a ilusão de que bastaria capinar aquela área coberta de mata e lixo nas imediações da Estrada Velha de Santa Rita para que a Emlurb acatasse o processo aberto pela comunidade recém-formada. "No dia seguinte, a Defesa Civil estava aqui", lembra a líder comunitária. Mas não para dar suporte ao trabalho de Miriam. "Eles derrubaram todos os barracos vazios e nos deram 24 horas para deixar o loteamento."
Gratidão
O loteamento foi salvo depois de um tour burocrático pela Prefeitura, que culminou com uma visita à Comissão de Justiça e Paz da Diocese de Nova Iguaçu, que funcionava no prédio em que hoje se encontra a Secretaria de Saúde. "A dra. Sada Baroud trouxe uma equipe de reportagem, mostrando a carência do nosso povo." A estratégia funcionou e no dia seguinte os invasores receberam técnicos da Emlurb, que fizeram a topografia do terreno, demarcaram-no e cadastraram os moradores. Não muito tempo depois, políticos como Maurício Morais, Célio Cordeiro, Rogério Lisboa e Sami ajudaram a aterrar a área, abriram ruas e fizeram todo saneamento. Agradecida, a comunidade reelegeu esses políticos seguidas vezes.
Antes mesmo que o primeiro loteamento fosse completamente urbanizado, a comunidade promoveu uma segunda invasão num terreno contíguo, ocupando dessa vez o igualmente abandonado campo do Ferrugem. A experiência da primeira invasão levou a associação de moradores a procurar um engenheiro, graças ao qual as ruas são certinhas, com 10 metros de largura e 1,5 m destinado às calçadas. "Dividimos os lotes, abrimos as ruas, limpamos o mato, colocamos a posteação de madeira e fizemos os barracos", lembra Miriam, que na época já era presidente da associação de moradores.
Apesar da tarimba com os embates da primeira ocupação, a comunidade de hoje chamada Vila Esperança não imaginou encontrar no então prefeito Nelson Bornier um adversário tão insensível e intransigente. "Quando ele nos descobriu, mandou tratores e caminhões da Defesa Civil", lembra Miriam. "Os homens vieram armados e dispostos a derrubar tudo." Foi só na última hora que Miriam teve a inspiração que garantiu a sobrevivência da comunidade. "Eu disse que eles podiam derrubar, desde que me entregassem a reintegração de posse." Como eles não tinham a documentação necessária, os técnicos da Prefeitura a convidaram para uma rodada de negociações. "Eu fui com o Padre Ruy, que trabalhava com a dra. Sada Baroud na Comissão de Justiça e Paz."
Carnaval
Mas o acordo feito com os técnicos, de acordo com o qual a Prefeitura construiria casas depois de cadastrar os moradores da invasão, só produziu dissabores para Miriam. "Eles só cumpriram a parte que nos prejudicava", lastima. "Eles desmancharam os barracos malfeitos na beira da pista e tiraram os postes." A paciência da comunidade durou de novembro até fevereiro. "Aí, eu falei: ‘temos quatro dias para fazer tudo de novo!’" Enquanto as autoridades se esbaldavam no carnaval, a comunidade da Cobrex construiu nada menos de 90 casas em um multirão espetacular, do qual não ficou de fora a religação das luzes. “Cada um se virou como pôde.”
Ainda hoje Miriam lembra o grito de Nelson Bornier ao ver o resultado do multirão. "Dessa vez não tem perdão", bradou o prefeito. "Vai tudo pra baixo." O prefeito estava tão possesso, que a líder comunitária temeu que enfartasse. Mas se a saúde de Bornier resistiu àquela derrota pública, o mesmo não se pode dizer de sua capacidade de julgamento. "Quer dizer que aquela mansão é de gente pobre?", questionou, apontando para a meia-água construída da noite para o dia por um camelô. Uma das 90 construídas naquele carnaval foi a da própria Miriam, que até o início deste ano tinha apenas uma sala e o banheiro. Além de pequena, a casa de número 110 da Rua União não tinha nem muro, nem laje, nem piso.
O prefeito se acalmou depois que os moradores acionaram Maurício de Morais e Valnei Rocha. Mas se os seus argumentos tiveram o poder de convencer Bornier a desistir de perseguir a comunidade, não foram capazes de sensibilizá-lo a investir em obras de melhoria no bairro. "Cada casa de tijolo, cada relógio e cada poste conseguido na Light, tudo isso foi uma conquista da associação." As obras de urbanização tiveram que aguardar a eleição do prefeito Lindberg Farias. "Ele mudou o saneamento e nivelou as ruas", contabiliza. "Agora só falta pavimentar."
A urbanização das duas invasões rendeu muitos votos ao prefeito em sua campanha para se reeleger, mas essa gratidão não diminuiu nem o espírito crítico nem a capacidade de mobilização da comunidade. "Falta construir a praça e a creche." A praça, que já tem uma área reservada por trás do campo de futebol da comunidade, depende do poder público. "Mas o material da creche já está aí." Qualquer dia começa um novo mutirão.
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