terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A última sessão de cinema


















Gincana social encerra atividades com exibição de documentário em Cabuçu

por Alcyr Cavalcanti

Foi uma noite de alegria e muitos encontros. A equipe desde cedo providenciava os detalhes definitivos para uma noite de festa. A festa da cultura.

Rebeca, Verônica, Mazé e os motoristas Lúcia Helena de Sousa, uma moradora de Caxias de 54 anos, e Jomar Ribeiro Cruz, um morador de Santa Cruz de 46 anos, desde cedo rodavam Nova Iguaçu, enfrentando um trânsito caótico para que tudo desse certo. A montagem começou cedo. A tecnologia é a oitava maravilha do século XXI. Mas somente quando funciona. Computadores, datashow, tela, microfone, aparelhagem de som e fios, fios e mais fios. Um trabalho insano, testes e mais testes, mas no final deu tudo certo.

Elisangela Melo, a Fofão, carregava as últimas cadeiras para dar conforto aos espectadores. Com 34 anos e mãe de quatro filhos, essa guerreira deu o sangue para consolidar a gincana social em Cabuçu, o bairro que contou com o maior número de jovens ao longo do projeto. Ela sempre acreditou no projeto e acredita na administração atual, “que tem dado oportunidades a quem nunca teve nada”, como diz num misto de orgulho e admiração.

Ela vai continuar dando seu suor e seu sangue pela causa da juventude iguaçuana, dessa vez em um projeto que remete ao seu apelido da época em que era "inchada de bebida". “Eu bebia tudo que via pela frente, mas vieram os filhos e hoje me dedico a ajudar os jovens, tirando eles do vicio e da malandragem." Depois de construir um muro para impedir que os jovens drogados se escondam da polícia, ela criou o projeto “Cultura Viva na Comunidade”. "Com ele, vou dar aos jovens esperança em um futuro melhor, longe das drogas e do vício."

A equipe se desdobra para dar tudo certo. Nossa produtora Rebeca Ramos, 30 anos, carioca do Humaitá, fez cinema na UFF, a melhor escola de cinema do Rio de Janeiro. Foi aluna de mestres como José Carlos Monteiro, Serra e Sérgio Santeiro, entre outros. Ela procura aprimorar cada detalhe, sempre tendo como parceira Verônica Nascimento, de 34 anos, que só não fala com mais orgulho das transformações em curso na cidade quando se refere ao filho Sérgio. Em um ponto elas concordam plenamente: o projeto permitiu que os jovens conhecessem pessoas da mesma idade que, embora morando em bairros completamente diversos na imensa cidade, têm as mesmas ambições, dificuldades e sonhos.

Às 19 horas, como combinado, a função começou. As pessoas chegaram mais cedo, a maioria de mulheres jovens, algumas crianças e alguns poucos rapazes, mas atentos e interessados. As mais de 60 pessoas do bairro Cabuçu e adjacências lotavam a pequena sala, ansiosos pela exibição de um filme onde os protagonistas eram os moradores do bairro falando sobre eles mesmos, seus problemas, seus sonhos, suas esperanças.

















Resgate da memória
Chega Anderson Barnabé de Oliveira, 38 anos, natural de Sete Lagoas em Minas Gerais, mas iguaçuano de coração, desde que passou a trabalhar a todo vapor há três anos. O sempre elétrico Barnabé faz uma breve introdução para explicar a algumas pessoas detalhes do projeto. “Resolvemos fazer um resgate da memória de Nova Iguaçu por meio de uma gincana socioeducativa, onde as histórias foram o tema. Participaram 200 jovens por 17 bairros, num total de 3.400 jovens. O Projeto Minha Rua Tem História foi um êxito total.”

Chega o grande astro da noite, seu Paulinho, logo sucedido por uma equipe da TV Futura, que veio para documentar a sessão. O câmera, sempre atento, não perdia um só lance. Mas o foco era aquele que viu as transformações que se sucederam no bairro, desde a pujança dos milhares de laranjais até sua destruição por pragas sucessivas e governos ineficientes, até os dias de hoje, onde aos poucos as esperanças vão se concretizando. A TV acompanha suas reações e a da platéia, que vibra a cada fotograma do documentário exibido. O ponto culminante foi a entrevista de seu Paulinho, que narra com emoção as transformações do Jardim Laranjeiras e sua luta comunitária.

Mario José Mixo, o Mazé, tem apenas 24 anos, mas já é um mestre na fotografia e também na arte da culinária, quem sabe preparado para as crises cíclicas do capital, no exercício de múltiplos saberes. Ele conhece a fundo sua cidade, desde os tempos em que, pés descalços e calças curtas, correndo pelos imensos campos até os dias de hoje, em que percorre a cidade registrando suas transformações. Na noite da ultima sessão ele sabe que está registrando um momento histórico.

Depois da exibição do documentário, veio a dupla Josicleide e Natalício para encerrar com chave de ouro. A platéia veio abaixo com as tiradas de improviso. Depois de mais de 70 apresentações, com chuva ou com sol, de manhã, à tarde e à noite, para platéias das mais diversas, se acostumaram a improvisar mudando partes de seu repertório e criando “cacos” conforme as reações do público. Esse foi o caso da reação de seu Paulinho, que contestou a dupla dizendo que a mulher mais bonita da cidade era a Chumbrega e não a Josicleide.

Fim de festa, aparelhos de MP4 são sorteados, para delírio dos contemplados. Mas a festa não acabou. Em 2009, novos projetos serão implantados, outros serão continuados. A vida continua em 2009 em Nova Iguaçu, em ritmo de alegria, e muita esperança.

Parabéns povo de Nova Iguaçu, a festa continua. Viva 2009.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Nobreza sob a lua cheia

Seu Wilson defende causas nobres desde a época de Dom Adriano Hipólito
por Anderson Fat

É na doutrina espírita que um dos moradores mais antigos do bairro Jardim Alvorada encontra forças para lutar por melhorias onde mora. Para Seu Wilson Pereira, 73 anos, os ensinamentos de Alan Kardec lhe dão a paz interior necessária para lidar com a realidade dura que muitas vezes faz parte do dia-a-dia de seus contemporâneos encarnados. Em trinta anos de residência no bairro Jardim Alvorada, Seu Wilson enumera diversas conquistas de militância em prol da comunidade. À frente da associação de moradores do bairro, Seu Wilson buscou representar a população local e também a mediar momentos de tensão. "Uma vez os moradores tentaram fechar a Estrada de Madureira (Avenida Abílio Augusto Távora, principal via da região). Nessa hora tive que acalmar a multidão e convencê-los a reivindicar, mas sem vandalismo", lembra. O equilíbrio espiritual de Seu Wilson foi fundamental para contornar essas situações.

O petroleiro aposentado do Jardim Alvorada via na sua profissão a condição de alimentar seus sete filhos e no ativismo social o sustento para alimentar a sua alma. Ele revela que algumas vezes chegou a abandonar o serviço para fazer ações beneficentes. "Algumas pessoas sabiam que eu estava faltando por uma causa nobre e faziam vista grossa", admite. "Teve uma vez que fui punido. Me mandaram lá para a Ilha das Cobras, na Praça Mauá", relembra, convencido que era impossível fugir do trabalho naquele lugar. Nessa época, Seu Wilson se uniu à campanha do Betinho e distribuía alimentos para pessoas carentes. "A gente ia para o Ceasa de madrugada e buscava doadores para a campanha."

Antes mesmo de Seu Wilson chegar ao bairro, seus olhos estavam voltados para os menos favorecidos. Ele se lembra com muito orgulho das 1921 famílias que não foram despejadas de suas casas graças a pessoas como ele. "No dia do despejo, nós entrávamos nas casas do BNH, lá de Belford Roxo. A ajuda do Dom Adriano Hipólito foi essencial", revela. Mas foi sua atuação no Jardim Alvorada que chamou a atenção da técnica social do PAC, Ana Paula. Ana é responsável por mediar a relação do PAC com a população local e quando conheceu Seu Wilson fez questão de indicá-lo como personagem para o documentário que registrou o antes e depois das obras no bairro.
Saiba mais sobre Seu Wilson, personagem do documentário sobre o bairro Jardim Alvorada.
















Exibição lotada
Sentado no canto direito da última fileira, o primeiro espectador a chegar na Escola Rui Berçot de Mattos foi o próprio Seu Wilson. Ao contrário das estrelas de cinema, que não dispensam uma entrada triunfal, Seu Wilson mantinha total discrição ao lado de sua filha Selma Pereira, xodó adotado com apenas um dia de vida. Sob a luz da lua cheia, Seu Wilson se manteve quase estático, enquanto a quadra da escola começava a encher de gente para vê-lo na tela.

Ao iniciar o filme, Seu Wilson fixou os olhos na tela e só movimentava as mãos, friccionando uma na outra, revelando certa apreensão. Após os primeiros minutos, as mãos do petroleiro aposentado se acalmaram e ele se envolveu completamente com a narrativa do filme. Talvez esse tenha sido o único momento em que o papai coruja ficou mais de um minuto sem olhar para a filha Selma.

Quando o filme chegou ao fim, as pálpebras de Seu Wilson tentavam segurar as lágrimas que teimavam em cair. Com um nó na garganta e voz embargada, Seu Wilson só conseguiu dizer: "Muito bonito. Minha vontade era pôr esse filme na rua para todo mundo ver."

Antes da exibição do filme, Selma Pereira teve a oportunidade de ver sua primeira peça de teatro ao lado do pai. Selma se divertiu bastante com as loucas aventuras do casal de personagens Josicleide e Natalício, interpretadas pelos atores Francisco Salgado e Leandro Muniz. A peça dramatiza ações do dia-a-dia que podem contribuir para se ter uma cidade limpa e saudável.
Conheça a Dupla Salgado e Leandro: atores apresentam esquete ambiental em escolas municipais de Nova Iguaçu.

O laranjeiro fiel



















Descoberto pela equipe de filmagem da gincana social, Seu Paulinho viu a ascensão e queda dos laranjais de Cabuçu

por Alcyr Cavalcanti

Paulo Couto de Araújo, o Seu Paulinho, tem 64 anos. Nasceu em Rio Bonito, próximo à região dos Lagos, mas encontrou seu pequeno paraíso em Nova Iguaçu. É casado com Aracy de Oliveira Araújo, uma mineira de Juiz de Fora de 65 anos, que lhe deu três filhos e um neto.

“Vim para Nova Iguaçu ainda criança, para o bairro Cabuçu, aqui perto. Não existia ainda o Jardim Laranjeiras. Era tudo um enorme loteamento. Em 1952, vim morar no sítio que meu cunhado comprou em Cabuçu. Ele dizia maravilhas do lugar.”

Seu Paulinho fala com saudades de quando era tudo uma lavoura só. “Eram laranjais, bananeiras, mamoeiros, enfim, era uma terra abençoada”, lembra. Os empregos eram tão abundantes quanto os frutos da terra. “Bastava plantar e cultivar, que a colheita estava garantida.” Na época da florada, os caminhões da Coutraille, uma firma do interior de São Paulo cujos donos eram descendentes de italianos, levavam toda a produção. “As laranjas eram doces, de bom tamanho e muito saborosas.”

Emocionado, Seu Paulinho interrompe a narrativa, semblante pensativo, lembrando que agora só há algumas pequenas lavouras de subsistência, e mesmo assim de quem tem amor à terra. “Laranjas agora nunca mais”, diz ele, para em seguida se encaminhar para um terreno defronte, onde há um pé de laranjeira com as folhas carcomidas pelo fungo amaldiçoado que dizimou as plantações não só de Nova Iguaçu, mas de todo o Estado do Rio.



















A praga dos laranjais
A praga dos laranjais acabou com as floradas das imensas plantações. As folhas são atacadas pelo “bicho furão”, uma fase de lagarta de um tipo de mariposa, que acaba com o plantio, deixa uma película negra que cobre as folhas, além de outras pragas como alguns tipos de vermes, que atacam as raízes. As diversas pragas que afetam as plantações de laranjas principalmente em São Paulo, o maior produtor, dão um prejuízo anual de mais de U$ 50 milhões aos exportadores brasileiros. Em Nova Iguaçu principalmente na região de Cabuçu desempregou milhares de lavradores que esperavam com ansiedade os caminhões de São Paulo que não viriam mais. “Havia trabalho para todos, devido ao método adotado nos milhares de laranjais. Alguns lavradores capinavam, outros podavam, havia a preparação do solo, e o controle das plantações. Chegamos a produzir mais de oito mil caixas.”

Que fazer dos milhares de pessoas que só sabiam fazer isso? A solução imediata, em reação ao descaso dos governantes, foi buscar sustento na construção civil, sem qualquer tipo de especialização. Suas moradias foram construídas muitas vezes em locais inadequados, em reservas ambientais, ou em áreas de risco. O importante era sobreviver, não importa como. “O ministério tentou acabar com a praga, fazendo sobrevôos e derramando pesticidas. Não adiantou, o danado do bicho resistiu, ficou entranhado na terra. Em conseqüência do derrame de pesticidas milhares de galinhas e coelhos morreram envenenados”.

Para Paulinho, faltou aos pesquisadores do Ministério um estudo mais detalhado para acabar com a praga. Para ele, a laranja produzida em São Paulo, principalmente na região conhecida mundialmente por “Terra da Laranja”, não se compara à que era produzida em Cabuçu. ”A laranja de São Paulo é bem menos doce da que era produzida aqui. O motivo é o clima de São Paulo, onde o sol age com menos intensidade. A fruta necessita de muito calor, de sol forte, que lá não tem. Por isso, a nossa era melhor e mais doce”, afirma Seu Paulinho.



















Liderança comunitária

No trajeto, pude observar a popularidade de Paulinho. Em uma caminhada de uns 800 metros através de um sol escaldante, ele era saudado ao longo do percurso. A rua estava um canteiro de obras, com máquinas preparando o terreno. Os operários paravam sua árdua tarefa para cumprimentar a velha liderança comunitária. “Chegou um tempo em que resolvi lutar pelos problemas de minha comunidade. Sempre tive um espírito coletivo, quando garoto ajudei a formar um time de futebol, o “Apolo XI”, em homenagem à nave espacial.”

No início, o time era chamado “Rian”, um anagrama em homenagem a Nair, a musa do time. Era bem organizado, tinha até meia, camisa e chuteiras. Os jogos eram aos domingos, seguidos de uma cervejada. Mas chegou o dia em que a patroa deu o ultimato: “Ou fica comigo ou fica com a bola”. E Paulinho resolveu optar por Dona Aracy, sua companheira de jornada até os dias de hoje.
Seu Paulinho interrompe a narrativa para mostrar as fotos de sua filha, mas dá uma especial atenção às do pequeno Pablo, nome em sua homenagem, com grafia em espanhol, para não ficar exatamente igual ao seu. “Afinal, Pablo é a tradução de Paulo”, diz com um sorriso maroto. “Mas não esqueci o futebol, sou tricolor de coração e só não vou mais ao Maracanã por causa do horário dos jogos e da violência das torcidas, que só pensam em brigar.”

Sempre preocupado com os problemas de seu bairro, Seu Paulinho ajudou a fundar a Associação de Moradores do Bairro Jardim Laranjeiras e Adjacências. Foi secretário geral e vice-presidente, mas era de fato a “linha de frente”. “A associação de moradores é um elo, uma ponte, um intermediário entre os moradores e a prefeitura. É feita para lutar, reivindicar junto às autoridades. Mas não tem o poder de realizar. A maioria não entende isso.”

Ele fala com admiração das obras que estão sendo feitas em seu bairro. “Para mim, esse menino, o prefeito, foi o melhor que a Baixada já teve. Está concluindo as obras, melhorando nossa vida, nos dando mais conforto e civilidade. Nenhum se compara a ele. Aqui era governado pelo sistema tradicional no Brasil, o sistema de parentesco. Saía um, entrava o filho, o irmão, o cunhado, era sempre a mesma coisa. Não faziam nada. Você viu o cara que bateu no meu portão e disse que a obra não fica pronta nunca? Ele não leva em conta que se fosse há alguns anos, ficaria tudo abandonado. A eleição já estava ganha, não era preciso mostrar mais nada. Sei que a crise está aí, mas muita coisa ainda vai ser feita. Só vi um prefeito, além desse menino, fazer alguma coisa pelos moradores. Foi o doutor Bolívar Assunção, que de fato fez muita coisa pela educação. Ele começou seu governo como um homem modesto e trabalhador e quando saiu foi pra sua clinica, sua farmácia, onde dava remédio para os necessitados. Era diferente da maioria dos políticos atuais, que roubam tudo que podem, escondem dinheiro até na cueca, só estão a fim de se arrumar.”

Era hora de regressar, caminhando através do canteiro de obras, sob o verão iguaçuano, onde pessoas vinham pedir todo o tipo de informação ao velho batalhador ainda com a cabeça cheia de sonhos.

Seu Paulinho fez questão de me levar até o local do encontro inicial, ao Colégio Municipal Darcílio Aires que já se chamou presidente Médici, em uma época sombria. Quem sabe Seu Paulinho será um dia homenageado? Nova Iguaçu aos poucos vive dias mais claros, vive dias de esperança.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

O começo da Nova Era
por Moduan Matus

Orestes Barbosa dos Santos saiu de Manhuaçu-MG, com 5 anos de idade, direto para o município do Rio de Janeiro. Um visionário voluntarioso e autoconfiante, ele aprendeu sozinho os segredos dos motores de automóveis que durante anos lhe garantiram a sobrevivência. Ao se casar, sentiu a necessidade de estabelecer-se, em definitivo, em algum lugar. Comprar uma casa em Botafogo, bairro na Zona Sul do Rio de Janeiro onde tinha sua oficina, pareceu-lhe uma idéia delirante.

Orestes ficou sabendo que os laranjais de Nova Iguaçu estavam dando lugar a loteamentos bem próximos da estrada principal, vendidos a preços compatíveis com o seu orçamento. Ele foi um dos primeiros a adquirir um lote e veio. "Agora, sim!", disse para si mesmo. "Posso constituir família."

Um mar de gente seguiu seguiu seu exemplo, comprando lotes de terra em pequenas prestações com o sonho de construírem suas casas aos poucos. Quando chegou em Jardim Nova Era, havia apenas mato. Na paisagem, confundiam-se as laranjeiras, os bambuzais e mangueiras. "Do outro lado da estrada vinha a água da cachoeira", lembra Orestes. "Era pouca. Fui o primeiro a cavar poço. O pessoal que ia chegando pedia água, principalmente o Ataulfo."

Brincamos com o Orestes, perguntando se, além dele e de Ataulfo, havia outros homônimos da Música Popular Brasileira das décadas de 30, 40 e 50. Rindo, ele disse que não.

Primeira televisão
Orestes se estabeleceu na rua Sebastião de Mello. Além de consertar carros, abriu uma barraca. Instalou em seu pátio uma mesa de sinuca, dominó, dama e baralho. "A gente fez também um campinho de futebol, mas faltou plano, diálogo. A gente tinha que ser mais caprichoso."

O bairro foi crescendo de modo desordenado. Orestes abriu uma oficina de bicicleta. Consertava. Alugava. Antes chegou a ter cavalos, carroças e até mesmo a criar bois. Como sempre pioneiro, ele foi o primeiro morador de Jardim Nova Era a instalar eletricidade em sua casa e a colocar televisão: "As pessoas vinham assistir tevê. Tinha uma novela... acho que era o Direito de nascer."

Incansável, Orestes ia fazendo uma coisa aqui, outra coisa ali. Fazia esgoto. Comprava aquelas manilhas de barro queimado, tirando dinheiro do próprio bolso. Os filhos foram crescendo (são oito ao todo) e Orestes comprou outro terreno na rua Alice de Oliveira. Colocou caldo-de-cana com salgadinhos na beira da estrada. Abriu o bricabraque que hoje lhe garante a sobrevivência. "Na base do escambo", frisa.

Ferro a carvão
Além dos filhos, hoje já são onze netos. Todos os filhos moram no bairro e são independentes. Ele continua ajudando todas as pessoas: "O bairro cresceu muito. Ainda faltam algumas coisas, mas tá bonito! O asfalto deu dignidade. Tem muita gente que ainda precisa de ajuda, pois antigamente não havia tantas despesas: luz, taxas, fraldas, cartão, telefones, água, condução e comia-se muita coisa do quintal."

Em meio a tantos objetos expostos em seu bricabraque, identificamos um ferro de passar roupas, a carvão, vindo, provavelmente, do início da formação do bairro. Onde Orestes começou a sua nova era e onde passa a sua quimera, tranqüilo, recepcionando muito bem. Comprando. Ajudando e, também, vendendo. Como esse ferro de passar a carvão, que adquirimos para a simples decoração de um passado, antes, engomado, agora, em roupa nova e atual.