sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O laranjeiro fiel



















Descoberto pela equipe de filmagem da gincana social, Seu Paulinho viu a ascensão e queda dos laranjais de Cabuçu

por Alcyr Cavalcanti

Paulo Couto de Araújo, o Seu Paulinho, tem 64 anos. Nasceu em Rio Bonito, próximo à região dos Lagos, mas encontrou seu pequeno paraíso em Nova Iguaçu. É casado com Aracy de Oliveira Araújo, uma mineira de Juiz de Fora de 65 anos, que lhe deu três filhos e um neto.

“Vim para Nova Iguaçu ainda criança, para o bairro Cabuçu, aqui perto. Não existia ainda o Jardim Laranjeiras. Era tudo um enorme loteamento. Em 1952, vim morar no sítio que meu cunhado comprou em Cabuçu. Ele dizia maravilhas do lugar.”

Seu Paulinho fala com saudades de quando era tudo uma lavoura só. “Eram laranjais, bananeiras, mamoeiros, enfim, era uma terra abençoada”, lembra. Os empregos eram tão abundantes quanto os frutos da terra. “Bastava plantar e cultivar, que a colheita estava garantida.” Na época da florada, os caminhões da Coutraille, uma firma do interior de São Paulo cujos donos eram descendentes de italianos, levavam toda a produção. “As laranjas eram doces, de bom tamanho e muito saborosas.”

Emocionado, Seu Paulinho interrompe a narrativa, semblante pensativo, lembrando que agora só há algumas pequenas lavouras de subsistência, e mesmo assim de quem tem amor à terra. “Laranjas agora nunca mais”, diz ele, para em seguida se encaminhar para um terreno defronte, onde há um pé de laranjeira com as folhas carcomidas pelo fungo amaldiçoado que dizimou as plantações não só de Nova Iguaçu, mas de todo o Estado do Rio.



















A praga dos laranjais
A praga dos laranjais acabou com as floradas das imensas plantações. As folhas são atacadas pelo “bicho furão”, uma fase de lagarta de um tipo de mariposa, que acaba com o plantio, deixa uma película negra que cobre as folhas, além de outras pragas como alguns tipos de vermes, que atacam as raízes. As diversas pragas que afetam as plantações de laranjas principalmente em São Paulo, o maior produtor, dão um prejuízo anual de mais de U$ 50 milhões aos exportadores brasileiros. Em Nova Iguaçu principalmente na região de Cabuçu desempregou milhares de lavradores que esperavam com ansiedade os caminhões de São Paulo que não viriam mais. “Havia trabalho para todos, devido ao método adotado nos milhares de laranjais. Alguns lavradores capinavam, outros podavam, havia a preparação do solo, e o controle das plantações. Chegamos a produzir mais de oito mil caixas.”

Que fazer dos milhares de pessoas que só sabiam fazer isso? A solução imediata, em reação ao descaso dos governantes, foi buscar sustento na construção civil, sem qualquer tipo de especialização. Suas moradias foram construídas muitas vezes em locais inadequados, em reservas ambientais, ou em áreas de risco. O importante era sobreviver, não importa como. “O ministério tentou acabar com a praga, fazendo sobrevôos e derramando pesticidas. Não adiantou, o danado do bicho resistiu, ficou entranhado na terra. Em conseqüência do derrame de pesticidas milhares de galinhas e coelhos morreram envenenados”.

Para Paulinho, faltou aos pesquisadores do Ministério um estudo mais detalhado para acabar com a praga. Para ele, a laranja produzida em São Paulo, principalmente na região conhecida mundialmente por “Terra da Laranja”, não se compara à que era produzida em Cabuçu. ”A laranja de São Paulo é bem menos doce da que era produzida aqui. O motivo é o clima de São Paulo, onde o sol age com menos intensidade. A fruta necessita de muito calor, de sol forte, que lá não tem. Por isso, a nossa era melhor e mais doce”, afirma Seu Paulinho.



















Liderança comunitária

No trajeto, pude observar a popularidade de Paulinho. Em uma caminhada de uns 800 metros através de um sol escaldante, ele era saudado ao longo do percurso. A rua estava um canteiro de obras, com máquinas preparando o terreno. Os operários paravam sua árdua tarefa para cumprimentar a velha liderança comunitária. “Chegou um tempo em que resolvi lutar pelos problemas de minha comunidade. Sempre tive um espírito coletivo, quando garoto ajudei a formar um time de futebol, o “Apolo XI”, em homenagem à nave espacial.”

No início, o time era chamado “Rian”, um anagrama em homenagem a Nair, a musa do time. Era bem organizado, tinha até meia, camisa e chuteiras. Os jogos eram aos domingos, seguidos de uma cervejada. Mas chegou o dia em que a patroa deu o ultimato: “Ou fica comigo ou fica com a bola”. E Paulinho resolveu optar por Dona Aracy, sua companheira de jornada até os dias de hoje.
Seu Paulinho interrompe a narrativa para mostrar as fotos de sua filha, mas dá uma especial atenção às do pequeno Pablo, nome em sua homenagem, com grafia em espanhol, para não ficar exatamente igual ao seu. “Afinal, Pablo é a tradução de Paulo”, diz com um sorriso maroto. “Mas não esqueci o futebol, sou tricolor de coração e só não vou mais ao Maracanã por causa do horário dos jogos e da violência das torcidas, que só pensam em brigar.”

Sempre preocupado com os problemas de seu bairro, Seu Paulinho ajudou a fundar a Associação de Moradores do Bairro Jardim Laranjeiras e Adjacências. Foi secretário geral e vice-presidente, mas era de fato a “linha de frente”. “A associação de moradores é um elo, uma ponte, um intermediário entre os moradores e a prefeitura. É feita para lutar, reivindicar junto às autoridades. Mas não tem o poder de realizar. A maioria não entende isso.”

Ele fala com admiração das obras que estão sendo feitas em seu bairro. “Para mim, esse menino, o prefeito, foi o melhor que a Baixada já teve. Está concluindo as obras, melhorando nossa vida, nos dando mais conforto e civilidade. Nenhum se compara a ele. Aqui era governado pelo sistema tradicional no Brasil, o sistema de parentesco. Saía um, entrava o filho, o irmão, o cunhado, era sempre a mesma coisa. Não faziam nada. Você viu o cara que bateu no meu portão e disse que a obra não fica pronta nunca? Ele não leva em conta que se fosse há alguns anos, ficaria tudo abandonado. A eleição já estava ganha, não era preciso mostrar mais nada. Sei que a crise está aí, mas muita coisa ainda vai ser feita. Só vi um prefeito, além desse menino, fazer alguma coisa pelos moradores. Foi o doutor Bolívar Assunção, que de fato fez muita coisa pela educação. Ele começou seu governo como um homem modesto e trabalhador e quando saiu foi pra sua clinica, sua farmácia, onde dava remédio para os necessitados. Era diferente da maioria dos políticos atuais, que roubam tudo que podem, escondem dinheiro até na cueca, só estão a fim de se arrumar.”

Era hora de regressar, caminhando através do canteiro de obras, sob o verão iguaçuano, onde pessoas vinham pedir todo o tipo de informação ao velho batalhador ainda com a cabeça cheia de sonhos.

Seu Paulinho fez questão de me levar até o local do encontro inicial, ao Colégio Municipal Darcílio Aires que já se chamou presidente Médici, em uma época sombria. Quem sabe Seu Paulinho será um dia homenageado? Nova Iguaçu aos poucos vive dias mais claros, vive dias de esperança.

4 comentários:

Anônimo disse...

Poxa! até que enfim nossa Baixada está trazendo através dos jovens o resgate importante de histórias que podem fazer uma cidade melhor, reconhecer a importância dos moradores mais antigos e muito importante.
Valeu pelo empenho nesse trabalho.

laverli disse...

Nasci em Cabuçu mas moro em Blumenau.
Estou aposentado e pesquisando sobre as origens do meu estado.
Adorei este site
voce estão de parabéns

Muito obrigado

Atenciosamente

Luiz Verli de Oliveira

Izis disse...

Meu filho fez uma pesquisa para a escola dele e hoje ele viu através do blog um pouco da historia do seu avô.

Izis disse...

Meu filho fez uma pesquisa para a escola dele e hoje ele viu através do blog um pouco da historia do seu avô.