Por Anderson Chagas

Com microfone em punho, Anderson Barnabé, mestre cerimônia da mostra, já preparava o público para o início da sessão, quando teve que executar o seu plano B. "Atenção! Todos para o refeitório", alertou Barnabé, salvando os espectadores do temporal que começava a cair. O refeitório da escola ficou pequeno para tanta gente, mas nem isso tirou o brilho dos olhos de quem assistia às últimas produções da Escola Livre de Cinema e principalmente ao documentário sobre o próprio bairro, com depoimentos de personagens da Palhada descobertos durante a gincana social “Minha rua tem história”.
A saga de Dona Beatriz

O primeiro episódio triste na vida de dona Beatriz aconteceu logo assim que ela nasceu, no interior de Pernambuco. Vítima de morte pós-parto, a mãe de dona Beatriz deu adeus à vida e à filha caçula dos 11 filhos que teve com seu José Azevedo. Após a morte da esposa, Seu José decidiu dar dona Beatriz, ainda bebê, a uma família que tinha condições para criá-la. E com a nova família, dona Beatriz viveu até seus 20 anos de idade, quando conheceu e casou-se com seu Marcos, companheiro com quem teve cinco filhos.
Depois de dois anos de casada, o marido de dona Beatriz veio trabalhar no Rio de Janeiro, a convite de um tio. Após oito meses de trabalho na cidade grande, seu Marcos trouxe a mãe e a esposa para morar na cidade maravilhosa, numa casinha comprada na favela da Rocinha. Dona Beatriz não guarda boas recordações dos quatro anos vividos na Rocinha. "Fiquei quatro anos morando lá. Mas uma acusação de crime contra meu marido acabou mudando meu destino", revela, com muito desconforto. Encontrado, o marido de dona Beatriz acabou sendo preso. "Essa história não convém contar", pontua.
Ciúme do marido
Foi a partir daí que a história de dona Beatriz começou a cruzar com a de Nova Iguaçu. Em busca de um futuro melhor para seus filhos, a dona de casa veio reconstruir a vida no bairro Palhada, num terreno comprado pelo marido antes de ser preso. "Quando cheguei à Palhada, isso aqui era tudo roça e laranjal", relembra. Em poucas palavras, dona Beatriz expressa o quanto seu bairro cresceu e melhorou ao logo desses 42 anos. "Vixe Maria, mudou tudo. Melhorou demais!", empolga-se.
Faltando poucos minutos para o início da projeção, dona Beatriz revela que já tinha ido ao cinema quando era jovem, ainda em Pernambuco. "Ia quando era solteira. Mas como trabalhava muito ajudando meu pai na roça, não tinha tempo para isso. Depois que casei, aí que danou mesmo", explica, rindo do ciúme do marido.
Enfim, as luzes são apagadas e todos ficam em silêncio naquele cinema improvisado no refeitório da escola. Atenta, dona Beatriz está prestes a reviver a experiência de se emocionar diante da grande tela. "Não vejo a hora de começar. Já faz mais de 60 anos que eu não sei o que é cinema", afirma. Quando a imagem foi projetada na tela, dona Beatriz se desligou do mundo e não quis mais papo, mostrando que o hábito de não falar dentro do cinema vem de muito tempo atrás.
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